sexta-feira, 22 de outubro de 2010

As férias dos meus sonhos: uma temporada no inferno

O negócio é aquela renazinha maldita .Quando eu passo na frente da casa em um condomínio próximo ao meu e a vejo em sua armação de ferro envolta em fios verdes, sinto que estou perdido: faltam alguns dias apenas para que ela seja acesa com aquelas luzinhas pequenininhas e imediatamente declarada aberta a temporada do Natal ( a de caça , neste caso seria um alívio). Não é sómente a celebração da data do nascimento de Cristo que marca esta época, mas, principalmente, todo um longo período de torturantes preparações que a antecede. Engana-se aquele felizardo, que tem em sua casa apenas um jantar tranquilho com um peru na mesa e um presépio ao lado, ao supor que seja este o comportamento geral. Não! A grande maioria das pessoas sente pânico neste período de compras, chuvas , engarrafamentos e,nos casos mais graves como o meu , começa a elaborar a sua fuga e cavar seu túnel desde o primeiro semestre. Planejo , procuro conciliar interesses e possibilidades, pois levo sempre comigo um filho ,atualmente com onze anos, e uma mãe de noventa, recém completados. Nem a Mulher Incrível possui tal elasticidade turístico-social e eu- que não tenho super poderes nem nada- fracasso todo ano em meus projetos, flagrantemente.
Araxá? Tem termas para os mais velhos,local tranquilho e bucólico, com monitores que cuidam das crianças o dia inteiro.Perfeito. E eu? Eu, certamente, vou ler- é o que sempre penso- e vai estar tudo bem. Quando cheguei e me vi diante de uma fachada de um prédio digna do hotel de " O Iluminado", senti uma fincada no estômago; o beliscão no peito que sempre anda junto a esta outra dor, veio logo em seguida quando fomos levados aos quartos através de longos,desertos e escuros corredores atapetados, que me deram a certeza plena de estar ingressando ,de forma definitiva, no sanatório de tuberculosos de " A montanha mágica". Quando enxerguei da varanda do quarto ,uma imensa e frenética multidão desembarcando de dezenas de ônibus de turismo, paguei uma rodada tripla , com intenção de me matar por afogamento, imerso no " banho de pérolas".Debalde. Ninguém sai de cena assim, impunemente: aqui se paga,aqui se faz!
No ano seguinte optei por um programa mais alegre e glamoroso: o tal do cruzeiro marítimo! Claro, foi ainda pior: aprisionado em uma espécie de Miami genérica e flutuante, não havia como escapar dali a não ser através de um derradeiro e fatal mergulho em alto mar. Bingo em castelhano ( com microfone) ao redor da piscina, antecedendo uma aula de axé, me pareceu uma paródia engraçada, algo assim como a classe média vai ao Paraíso,paradoxalmente, menos suave e divertida do que uma temporada no Inferno E a comida , já incluída nestes pacotes? Como os cozinheiros do (agora sob reforma) Hotel Glória no Rio, os chefs são divas da anti- culinária , capazes de estragar uma simples salada de folhas e servir algo impossível como uma pizza queimada em baixo e crua em cima.Gênios do Mal.
O reveillon " a bordo" é inesquecível: uma massa humana munida de taças de champagne morno e adocicado, vagando a esmo pelos decks e ao redor das piscinas, loucos para celebrar algo que não aconteceu, esperando um Godot que não virá ,prontos para um êxtase sem motivação, olhando rumo a um horizonte sem nenhuma renovação à vista. O apogeu veio à meia- noite: quando o navio começou a apitar de uma forma insistente e enlouquecedora, não tive dúvidas que estávamos afundando, sem sequer o consolo da consagração póstuma de um Titanic ; todos lá, patéticos, de branco e vestidos bordados de dourado destinados a ficar boiando em águas tropicais. Morte inglória.
Com a chegada de Novembro, a aflição começa a me dominar: dou a volta, passo pela rua ao lado mas sei que, mais cedo ou mais tarde, ela- meu algoz, a rena- estará lá,inabalável,resplandescente, vaticinando o meu infortúnio e, com certeza , mais um passeio de mãos dadas entre as chamas, não como Dante e Beatriz, mas com o demo em pessoa.




Já a caráter para a próxima viagem: Canoa Quebrada.

Location:Vila del Rey

7 comentários:

  1. Hahahahahahaha eu sinto a mesma coisa. Vou ficando desesperada quando vai chegando dezembro. Quando aquelas luzinhas, importadas de Taiwan, vão invadindo paulatinamente a cidade. Vou providenciar urgentemente meu dread para embarcar com essa trupe rumo a Canoa Quebrada, com anel-de-lua-e-estrela e tudo. Beijos, Lúcia

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  2. He, he, he, como fui figurante, garanto que está perfeito!!!
    Adorei, incluise a foto.

    Beijos

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  3. você está ficando cada vez melhor! Estes textos seus deveriam ser publicados na Veja, Folha , Estadão ou coisa que valha. Deliciosos ! Sabe que eu também compartilho um pouco com vc deste terror, mas nào de forma tão aguda. Bem, tudo tem seu lado positivo. Se vc gostasse , nós hoje não estaríamos lendo este delicioso texto.
    Beijos, Beatriz

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  4. Adorei !
    Mas voce se lembra de nossas férias em Paris – no Marais com Paulo Pederneiras. Que saudade.
    Bj.Barbara

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  5. A foto está demais. Estou rolando de rir.
    Beijos e ótima viagem!
    Cri

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  6. Que delícia ler seus textos!!! Você já faz parte do meus favoritos. Abraço carinhoso,

    Inez

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  7. Olhando aqui da minha janela o engarrafamento ao redor do BH Shopping (pelo qual terei que passar se quiser sair de casa) e te imaginando nesse lugar paradisíaco.
    Canoa Quebrada? Acho que dessa vez vai dar tudo certo!

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