Estávamos dentro de uma van,noite chuvosa ,trajeto longo,sómente um casal e eu, sem ter muito o que conversar - já que não havia muita ,ou melhor, nenhuma intimidade entre nós- até que saquei da algibeira uma de minhas perguntas favoritas, nesta e em vários outros tipos de situação: "Como vocês dois se conheceram?" Diante desta invasiva mas romântica questão,nem ele, pessoa um pouco tímida e introvertida, resistiu : "Houve um período,disse-me ele, em que, durante várias noites seguidas, eu acordava com a visão de uma pequena árvore ao lado de minha cama, como se tivesse sido plantada ali. Conversei sobre este fato com uma amiga, que me disse conhecer um poema de Heine ,do século XIX, com uma história semelhante à minha" ( o desenrolar é um pouquinho complicado mas vale a pena acompanhar). Sua amiga, cujo nome não sei, vai para o interior de Minas- Poços de Caldas ,se não me engano- passar o final de ano com a família ,onde se encontra com sua sobrinha (que também morava fora e estava ali pelo mesmo motivo) e lhe conta a coisa toda. Ela, a sobrinha,por sua vez, o conhece de nome mas não o identificou como o cliente a quem ela atendia regularmente na livraria em que trabalhava,até que viu,ocasionalmente, sua foto em um jornal.Juntou uma coisa com a outra, e descobriu ser ele, o homem da visão ,o seu "freguês".Muito bem. "Quando nos vimos novamente no local de trabalho dela, continua ele, ela recitou para mim os versos que havia lido sobre meu "sonho".
Casaram-se algum tempo depois e este pequeno roteiro poderia terminar aqui se eu não tivesse almoçado,anos depois, com uma

Heinrich Heine
cantora lírica, à qual contei ,empolgado, tudo que acabo de escrever acima. Ela, Jeniffer , disse-me que não só conhecia o poema de Heine, como sabia também que ele havia sido musicado por Schumann e ,ali mesmo, no meio do restaurante Bernachon,em Lyon, cantarolou um pequeno trecho da canção ( "lieder"). Mais
tempo se passa e estamos em Paris; ele ( agora já um amigo), eu, e a razão de todos nós juntos ali: a Companhia do Grupo Corpo que se apresentava em temporada nesta cidade. E o caso da poesia agora transformada em música, volta à tona em nossas conversas (ele presente), ainda por terminar. Cinco,seis horas da tarde-pouco tempo portanto antes do nosso espetáculo começar- a Lúcia,ansiosa, não resiste: decide ir com ele à loja de discos mais próxima ao teatro e esclarecer a questão.Este é o momento em que retornamos ao início do texto e ao já sabido final da fita.Entretanto,é preciso que se diga, ainda não acabou : meu amigo e personagem comprou um só exemplar do disco, não me disse qual era e sequer me mostrou sua capa.Eu nunca soube portanto , qual foi o resultado desta fusão poético- musical que coroou a busca de uma resposta a uma curiosidade de tantos anos atrás.
Talvez haja histórias que, ao contrário da ficção, devam permanecer ocultas, como músicas e poemas que foram vividos, sentidos e pensados mas jamais foram escritos.
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