Não,felizmente, não é nada sobre a Academia Brasileira de Letras. Para falar a verdade, acho que aqueles respeitáveis senhores nem devem gostar ,em sua maioria,deste tipo de literatura ,que tem, entretanto,um bando de seguidores ilustres : o romance policial. P. D. James, Lawrence Block,Dennis Lehane,Michael Connelly, John Dunning para citar apenas alguns de meus autores contemporâneos favoritos. E então, Patricia Cornwell criou uma patologista forense enfiada em investigaçoēs sobre a morte de suas " testemunhas silenciosas", que mudou o cenário destas novelas e que , a meu ver, gerou todos estas series tipo C.S.I. que passam atualmente na TV. Seu nome : Key Scarpetta. Tínhamos ate algum tempo atrás, um grupo de fans de carteirinha de seus livros e comentávamos as aventuras,sucessos e infortúnios de nossa heroína . Maria Cândida - estilista e uma das proprietárias da Maria Bonita- famosa grife de roupas femininas de requintadíssimo design- com quem tive o prazer de conviver,alguns poucos anos antes de sua morte prematura, era uma destas leitoras entusiasmadas da detetive amadora. Loura mas imagino que não muito, sutilmente bonita e bem vestida, Mrs. Scarpetta tinha tudo o que a gente gostava e ,eu pelo menos, queria ser : uma pessoa perspicaz,decidida a levar seus casos até as últimas consequēncias sem pensar muito em si mesma,independente , capaz de enfrentar todos os problemas com uma fibra inquebrantável,sempre dizendo a coisa certa no momento exato. Dois problemas no entanto atrapalhavam sua vida e aborreciam seus leitores: sua chatíssima sobrinha Lucy,técnica avançada em informática, que na vida fora da internet ,entretanto, só arrumava namoradas psicopatas assassinas , para desespero da tia que tinha uma trabalheira danada para consertar as situações em que ela se metia; o segundo era seu interessante namorado Benton Wesley,membro da inteligência do FBI, homem maduro,sofisticado como ela, capaz de conversar sobre serial killers e literatura com a mesma fluência e tranquilhidade, fosse na cena do crime( com chuva, faróis acesos, lama e membros decepados de uma anônima vítima espalhados por toda a área) fosse à beira da lareira,tomando um tinto italiano. Mas nao assumia o romance e sofríamos com os desencontros do casal que se amava loucamente mas não dava certo. Tudo ia muito bem no nosso mórbido intercâmbio literário, até que um dia Cândida comprou o novo livro de Patricia nos Estados Unidos - um por ano em geral- e me telefonou para contar que Benton havia morrido na nova história e , ainda por cima, de uma maneira horrível. Fiquei duplamente chocado com o acontecido ,pois além de ter sabido desta novidade desagradável ,assim, de repente, sem ter acesso aos detalhes que pudessem me consolar no livro que ainda não tinha ,achei que a minha companheira de leitura não tinha nada que me contar, antecipadamente- e ainda por cima por telefone - um fato que alteraria minha diversificada vida literária , criando um enorme buraco negro com a morte de um conhecido meu, cortado na última edição sem que eu tivesse sido ,sequer, consultado. Mas nada se deu como esperávamos: minha amiga se foi, vítima de um câncer e jamais soube que Benton ,pasmem!,ressurgiu alguns anos depois , vivinho, de cabeça raspada ,disfarçado e morando em um cidadezinha pequena do interior dos Estados Unidos. Lucy ficou milionária através de suas aptidões com computadores , comprou Ferraris,helicópteros e mansões que de nada adiantaram ; continuou insuportável e infeliz no amor. A patologista , quem sabe coerentemente com sua profissão,ficou visceralmente abalada pela perda de seu amado (que ela custou a descobrir que era uma mentira necessária à política de Segurança Nacional ) e passou a se comportar como uma nova rica, descrevendo a marca do que comia e bebia ( como vários restaurantes supostamente " finos" que especificam em seus cardápios, entre parenteses, que tal e tal produto sāo "importados" como atestado de sua qualidade e justificativa para seus preços),preocupada com a sua Mercedes especial de estofamento de couro preto, imersa em tapetes macios e cortinas de tafetá, uma vulgaridade até então insupeitada.A narrativa perdeu o rumo e os crimes de suas histórias adquiriram uma crueldade impossível de se ler, um sadismo lastimável e gratuito, descrito nos mínimos detalhes.
Talvez ,como se exigia nos filmes e peças de teatro nos anos sessenta e setenta ,eu não tenha "captado a mensagem" de suas histórias atuais: o mundo caiu em uma vala comum de indelicadezas,grosserias,descaso, violência exibicionista e a ignorância foi elevada à uma condição exótica interessante.
Dizem que Benton Wesley veio para o Brasil, e tem um restaurante a quilo em Guarapari; outros falam que é vigia noturno de uma delegacia na baixada fluminense. Pelo que nos fez sofrer e nos enganou, eu queria que estivesse mesmo é trabalhando de contínuo no gabinete da Casa Civil da Presidencia onde, quem sabe , poderá exercer, nas circunstâncias atuais , o que lhe resta de seus dons investigativos.
Maria Cândida, por sua vez, ficou livre desta bandalheira que assola o planeta e está viva por aí afora: toda vez que aparece uma mulher elegante, no sentido melhor e mais amplo da palavra, a gente se lembra dela.

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