sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O primeiro a gente nunca esquece: a última vez que vi Paris

Ninguém queria fazer, tinham receio de que não desse certo mas eu acabei convencendo meu compadre Paulo,o diretor: 30 anos do Grupo Corpo, trilha do Zé Miguel e Caetano para o novo espetáculo, Onqotô... Tinha tudo a ver. Dito isto,assumo a responsabilidade, publicamente, pois o projeto,realmente não foi, como previsto ,o que se esperava.Em duas palavras: não funcionou. Estou falando do longa " Grupo Corpo,uma família brasileira" ,produção e direção da família Barreto .A idéia , era se fazer uma ampla e detalhada documentação de tournées da Companhia no Brasil e no mundo ( a meu ver, uma espécie de " Na cama com Madona",trocando-se ,evidentemente, a diva pop pelos Pederneiras e portanto,por incrível que pareça, mais divertido e movimentado que o original) mesclada à história da família e trechos de espetáculos ao longo destes anos todos. Muito bem,lá fomos nós, Rio,São Paulo, New York,Londres, Paris... E foi aí,nesta última cidade que tudo aconteceu. Quem resiste sair andando no Marais,capote de inverno, Fábio,um diretor com filme (que eu não conhecia) indicado ao Oscar , sua equipe, câmera e aquela coisa peluda que grava o som, diretamente sobre você? Eu,lamento desapontá-los, não resisti: achei que eu era o tal, "o cara" ,aquele no qual,o Barak se já fosse Obama, daria com intimidade e admiração,um tapinha amigo nas costas. Superando o limite estipulado por Andy Warhol, meu flerte com a fama durou mais ou menos 12 horas.Quando cheguei ao hotel, de volta da filmagem, meu dedão do pé estava vermelho,um pouco inchado e,coçando! Será? Em Paris? Mas nunca me aconteceu antes... Não deu outra: esquenta a agulha, cavuca daqui ,cutuca dali e ele apareceu: o meu primeiro,aquele que resolveu ,assim do nada,surgir logo lá, na cidade mais chic do mundo. Sua cabecinha surgiu envolta em uma aura de punição e ,num momento de delírio, cheguei a achá-lo meio parecidinho com o Torquemada, o chefe da Inquisição Espanhola, careca e branquelo,pronto para exorcizar os males demoníacos que haviam se apossado de meu corpo. Em segundos , a espada divina, a queda do arcanjo,o fim da glória prometida, a volta à monótona, desprezível e corriqueira condição humana: eu tinha bicho-de pé. A consciência deste estado redutor,no entanto,persistiu sómente até depois do café da manhã do dia seguinte; desculpem-me ,eu sou fraco,apaixonado por cinema e bastou uma nova tomada de cena em outro canto parisiense para que eu me esquecesse da esclarecedora experiência religiosa da noite anterior.Foi só a claquete bater e gritarem," Câmera, ação! " e eu me entreguei novamente, de corpo e - principalmente- de alma também. De repente,parado bem ali,na escada rolante do Pompidou,estava ele, o outro, o "tinhoso" , perigosamente sem chifre nem rabo pontudo , muito antes pelo contrário: já que era cinema - sempre é - tinha a forma sedutora de Al Pacino,misterioso,malévolo e sorrateiro . Falando mais pelo branco de seus olhos do que por sua boca maldita disse: " A vaidade é meu pecado favorito". Desta vez , o bicho realmente me pegou.




"Ele" , olhando para mim em Paris...

Location:Vila del Rey

3 comentários:

  1. Breakfast com "Cadernos de viagem" é puro luxo matinal. Se fosse sua seguidora, Audrey Hepburn não precisaria andar até a Tiffany's. Parabéns e obrigado, mon chef, o texto de hoje estava delicioso.

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  2. Parabéns,Fernando, por este genial e bem humorado texto que mais do que tudo ali descrito ilumina a sua inesgotável capacidade de dar uma visão pessoal e inteligente sobre os acontecimentos. É o que está faltando hoje ao Grupo Corpo. Beijo.

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