sábado, 13 de novembro de 2010

Todo cuidado é pouco

Alguém aí já teve como amigo um poderoso banqueiro ou pelo menos conviveu com algum? Se não, pelo menos já encontrou uma , duas ou três vezes com algum destes senhores? Eu já, e posso lhes dizer que é uma complicação danada, um aparato de blindagem para nenhum ditador do terceiro mundo botar defeito.
Uma vez em São Paulo, lá pelas tantas da madrugada, saindo de um jantar em casa de um amigo em comum, fui colocado em um carro com seguranças atrás do carro principal, onde se encontrava este tipo de vítima em potencial. Como me sentei na frente, puxei conversa com o motorista- moço simpático, lá pelos seus trinta, trinta e poucos anos- como sempre faço quando estou num táxi ou no carro de alguém desconhecido. Conversa vai, conversa vem e ele foi me contando sobre o seu emprego e o treinamento a que tinha sido submetido durante anos na Legião Estrangeira ,em Marselha, a fim de ocupar este cargo de tamanha responsabilidade. O nome desta, digamos, agremiação, me soou familiar mas - completo idiota- continuei encantado com a narrativa pedindo cada vez mais detalhes : murros , pancadaria e violência de todo tipo , alguns países africanos invadidos , nada me fazia desconfiar que havia alguma coisa terrivelmente errada ( seria alguma coisa na bebida?Falência completa dos neurônios?) Tanto perguntei e tanto ele se entusiasmou que acabou me explicando com detalhes a sua principal arma contra o Mal que tocaiava seus ricos empregadores: uma técnica de vigilância aprimorada, através da qual era capaz de olhar para todos os lados ao mesmo tempo, inclusive para cima (o homem era um verdadeiro periscópio). Por causa desta falação toda o pior desastre aconteceu: nos perdemos do carro à frente e dentro dele o patrão pelo qual ele, coitado, havia sofrido todos estes anos. O cara entrou em completo desespero e até hoje não sei como não me liquidou ali mesmo com suas próprias mãos assassinas. Chegamos finalmente ao hotel vários minutos depois da comitiva principal, tempo suficiente para ter acontecido mais ou menos uns onze ou doze tranquilhos sequestros .Meu amigo que estava comigo e ficou calado durante todo o trajeto, quando descemos do carro me falou indignado: " Pô, qual é a sua? O cara é mercenário e você dando papo, cumprimentando ele pelo sucesso na profissão? Você enlouqueceu"? Juro por tudo quanto é sagrado, foi só aí que a ficha caiu: eu confundi sua dramática e heróica história com uma série que eu assistia na TV, ainda menino,sobre uma fictícia divisão do exército britânico a serviço de Sua Majestade, na Índia( exceto em ocasiões especiais, igualmente vestidos em um uniforme caqui,quepe e um lenço na parte de trás da cabeça). Feliz da vida, o tempo todo acreditei estar conversando com um legítimo herdeiro dos inesquecíveis "Lanceiros de Bengala".
PS- se tivesse contado este caso à minha avó Anita ela ,certamente, teria perguntado aqui neste final : " Mas e o rapaz, perdeu o emprego"?




Os Lanceiros em seu uniforme de gala, pouco adequado para um segurança em São Paulo.





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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Acredite se quiser

Oscar Wilde dizia que só uma pessoa superficial não julga pela aparência. Porém,há quem engane mesmo um juiz experiente.Eu, por exemplo, consigo ainda que sob uma avaliação criteriosa passar por um sujeito refinado. Quem me conhece de perto,entretanto, sabe que ,ao contrário,lá no meu recôncavo baiano tenho um gosto absolutamente comum.
Em matéria de gastronomia adoro tudo quanto é prato gratinado , salpicão ,maionese, e se bobear ainda acrescento uma farofinha nisto tudo.Acho laranja gelada na praia a melhor coisa do mundo e pastel de queijo com cerveja gelada eu encaro em qualquer lugar, mesmo que seja no colo da rainha da Inglaterra. Macarrão com tutu de feijão então eu acho o paraíso. Não entendo de vinhos e não giro a taça várias vezes para arejar a bebida como é de praxe entre os finos apreciadores.Detesto talheres para peixe e me recuso a usá-los.O gosto musical vai pelo mesmo caminho e minhas gravações são verdadeiras penteadeiras de puta,tem" de um tudo": Verdi a Roberto Carlos( sem sertanejos por que aí também já é sacanagem). O que eu posso fazer? Eu gosto da misturada, sem "estilo" definido. Escuto Amy Winehouse e logo depois me derreto com "Nem as paredes confesso" na voz de Amália Rodrigues. Minha cabeça é uma zona e , com certeza, tenho um pé lá também. Não resisto a uma feirinha vendendo badulaque : vou lá xeretar pra ver se compro alguma coisa ,sabendo que jamais saberei o que fazer com ela.No cinema já fui um especialista em filme B, pós -graduado em épicos, PHD em Maciste. Se fosse mulher eu seria uma perua feliz, não queria nem saber de discreção e muito menos de bom gosto : estaria coberto de brincos , pulseiras, anéis, colares e o diabo a quatro, da cabeça aos pés.Adoraria. Maquiagem farta , roupa justa ( só perfume doce é que não dá, nem reencarnando sete vezes),arriscaria até blusa de onça tomara-que-caia ou de um ombro só com corrente dourada para um lanchinho de tarde com as colegas, com direito a coxinha com catupiry e bombom de nozes( ou de uva?) Céu! Vou pro inferno por nunca ter lido Grande Sertão Veredas mas lá certamente encontrarei na ala vip com ar condicionado e caipirinha, Sidney Sheldon e Harold Robbins, meus amigos na adolescência.Sou fã de musical da Broadway ! Sonho com um carro conversivel, daqueles chamativos de dois lugares, que qualquer pessoa na meia idade com um pouco de discernimento acharia impróprio : uma manisfestação tardia de exibicionismo ou problema sexual mal resolvido.Falo demais e raramente consigo ser discreto sobre "aqueles" assuntos que as boas maneiras indicam ser melhor não se conversar a respeito.Uma lama.
De noite,às vezes, cubro a cabeça ressaqueado e me consolo com a elegância de Adélia Prado:
"A coisa mais fina do mundo é o sentimento".


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sábado, 6 de novembro de 2010

Uma biblioteca cosmetológica ( sugestão para mudar a cara do mundo)



Quando vi em um spam caído na minha caixa de correio a propaganda de um shampoo com o sugestivo nome de Esperança ( que promete uma abundante cabeleira a quem se arriscar a usá-lo), fui tentado pela idéia de que se poderia lançar no mercado um pout-pourri de produtos de beleza portadores de miraculosas possibilidades, uma espécie de Caixa de Pandora cosmetológica , repleta de enganadoras promessas de rejuvenecimento. Mais tarde,pensando melhor,achei que uma pequena " necessaire" associando literatura a algumas peças básicas essenciais à aparência estaria mais coerente com esta época de textos curtos, triturados e digeridos pela internet, onde quase ninguém mais se arrisca a pegar em um livro.A máscara da Cultura falsamente exibida sobre a pele me pareceu uma solução rápida e fascinante para a falta de conhecimento contemporânea Para as moças ,por exemplo, poderíamos sugerir um blush " Jane Austen" que lhes daria, através da cor rosada, um certo ar de timidez,pudor ou acabrunhamento que, por ser tão raro hoje, se tornaria incrivelmente atraente. Razão, sensibilidade, orgulho,preconceito? Bah, sem o recurso da maquiagem ninguém tem mais tempo para estas sutilezas que antes transpareciam ,naturalmente,no rubor das maçãs do rosto das donzelas do século dezenove.Batons " Anais Ninn" em lábios que buscam o homem sensível, em lugar de beiços inchados de silicone.Bocas femininas convidando ao prazer sem culpa em vez próteses dignas de exóticos peixes de aquário.Fórmula restauradora" Henry James",propícia para senhoras a serem em breve retratadas ou governantas esgotadas por questões de ordem espiritualista. Sombra para os olhos " Juliette Greco": existencialista, a pálpebra boêmia fornecendo à visão o sombreamento necessário para enxergar a vida em todas suas inúteis nuances.Para a praia loção hidratante "Iris Murdoch" que lhes permitirá, sem danos à cútis , contemplar o mar, o mar...
Para os cavalheiros, fixador de cabelos, loção após barba e desodorante? Nada disso.O homem hoje é metrosexual e usa dos recursos do embelezamento tanto quanto a mulher. Portanto, base discreta para corrigir manchas de pele" Philip Roth",o eterno animal agonizante, e creme para rugas" Ian Mc Ewan", especialista em reparação, a ser aplicado sómente aos sábados. Máscara reparadora de lama, embalada em caixa preta, diretamente dos kibutz de Israel," Amós Oz", fator de proteção sessenta para dias de sol desértico.E claro, a espuma dos dias " Boris Vian" capaz de proporcionar uma efêmera maciez ao seu barbear .
Não, nenhum destes items de minha hipotética cesta básica ocasionaria qualquer mudança no intelecto de seus usuários: só aquela epidérmica aparência, uma superficial e nostálgica ilusão de que o mundo devidamente maquiado , poderá parecer não tão ignorante assim.
Para mim ,que ando pouco vaidoso, só Esperança nos couro cabeludo desiludido, com a garantia de que jamais entrará,nocivamente,pela minha cabeça adentro .

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Sábado, o melhor dia para se usar o creme anti-rugas "Ian Mc Ewan".




Fórmula "Henry James": infalível rejuvenecimento às vésperas de um retrato.

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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Impróprio para menores

De vez em quando é preciso que se dê nome aos bois: Pedro Pederneiras além de ser uma criatura adorável é um péssimo companheiro de quarto. Consegue ser mais bagunceiro do que eu( o que é um fato notável), acende a luz com a gente dormindo quando chega tarde do restaurante , liga a televisão até pegar no sono e dorme com ela ligada.
De todas as noites em que dividimos um quarto durante as tournées do Corpo, uma em especial foi muito divertida.O ritual foi o de sempre mas desta vez ,zapeando a TV, ele se deteve em um canal pornô. Um calor dos diabos, nós em um hotel em Paris que, como a grande maioria nesta cidade, tinha calefação mas não ar condicionado. Na telinha aquela peleja habitual: a imagem ruim em preto e branco mostrava uma loura de costas para os telespectadores sentada em cima de um homem deitado; ela subindo e descendo, gemendo como se estivesse num êxtase venéreo, fingindo gostar daquilo que mais parecia uma nova modalidade de ginástica aeróbica praticada com o seu "personal".Meu companheiro,impávido, parecia estar apreciando a coreografia ou, pelo menos ,achando-a monótona o suficiente para puxar o sono. Estes filmes, graças ao treino dos profissionais envolvidos na labuta ,demoram muitas horas a mais que um simples mortal conseguiria resistir neste embate corpo a corpo.E assim o tempo foi passando. O engraçado era que eles não mudavam de posição, como é de costume: a moça cavalgando no maior galope e o moço lá parado,tentando fazer uma expressão de doce deleite. Só que ,de repente, a genitália da moça, silhuetada, começou a se mexer e eu levei um susto danado; abaixava, ia pro lado, uma coisa sensacional! Mas , como assim, muda de posição e despenca? me perguntei estupefato .Longe da minha praia , fiquei encolhido como um coelho vendo ,pela primeira vez, algo novo e fascinante sobre a anatomia feminina. Morri de vontade mas, com medo da reação, nem cogitei em pedir para o meu amigo me explicar o fenômeno que estava se passando ali bem na nossa frente. E geme , e suspira , e sobe, e joga a cabeça pra trás e aquele negócio que não acaba nunca e os dois patetas, madrugada adentro, acordados e sofrendo com a temperatura de verão. Entregue em um estado de torpor semi-comatoso , já estava resignado com meu destino, no que fui ,miraculosamente, salvo pelo gongo ( ou algo bem semelhante)quando o Pedro gritou: " pu(#%?€£)ta que o pa(&@"£¥€)riu!!! É um homem!!! Que alívio, meu Deus!!! Estava tudo explicado.Diante desta visão cósmica , transcendental e esclarecedora apagamos a luz e fomos dormir, ele danado da vida. Eu no escuro pensei antes de fechar os olhos: " Ora,vejam só, bolas!"





A TV, após o dilúvio.



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terça-feira, 2 de novembro de 2010

Morte na boate gay

Há três maneiras, pelo menos, de não se deixar abater por uma boate gay e a mais eficiente delas é, sem dúvida, ser heterosexual. Se não é este o seu caso, escute meus conselhos: vá com uma turma divertida, fique bêbado ou assista a um filme que, mesmo sendo muito chato, livrará você de coisa pior. Como não tive escapatória, optei pelo último item.
Estávamos acabando um ótimo jantar, destes em que se bebe muito e depois do café se sonha com uma boa cama no hotel , dentes escovados, abajur e um bom livro, quando um convidado , a quem por amizade e dever profissional eu estava ciceroneando no Rio, me disse : hoje é sábado e, como você havia me prometido, nós vamos a uma boate gay. Le Boy ( eu sabia) aqui vamos nós, às duas e meia da manhã.Chegamos,descemos uma escada e antes de chegarmos ao seu final meu acompanhante arrancou sua camisa, girando-a no ar como em um rodeio , e exibiu uma invejável barriguinha sob "aquela" camiseta de alças, tipo marinheiro.O impacto foi rapidamente absorvido em função da cena seguinte:contratados pela casa , numa relação explícita de custo-benefício, havia um bando de homens nus perfilados sobre o balcão do bar acometidos de um priapismo pudico,coberto com uma toalha de rosto ou coisa que o valha.Mais adiante a pista de danças, ponto central de tudo, picadeiro onde fantásticas contorções aconteciam após os "dançarinos" terem ensaiado por alguns minutos, a sós, nos espelhos ao lado. E eu lá, entediado, de vez em quando espiando meu hóspede na pista de danças tal e qual um John Travolta tardio.De repente, não mais que de repente , um milagre: no telão negro que cobria o palco ( naquela noite desativado ) vi três letrinhas luminosas no canto esquerdo superior que me pareceram ,naquele momento, a salvação eterna: HBO. Louvado seja, era um telão!!! Como nada é perfeito - e aquele lugar parecia ser a prova máxima disto- o filme era ..." O Senhor dos Anéis"! Meu Deus! Como assistir ( ainda que só a primeira parte) aquela saga interminável cheia de seres fantásticos com orelhas enormes apontando para cristas na cabeça, fadas benignas morando em casas com floridas treliças brancas e intraterrenos, todos dialogando sem som acima de uma multidão dançando freneticamente? Fiquei pensando: será que Tolkien, o autor do livro, era gay e sua história, na verdade, uma propaganda subliminar?Estaria Peter Jackson,o diretor, fazendo através de uma metáfora, proselitismo a favor das minorias sexuais , uma espécie de manifesto cinematográfico pró Organização para Libertação dos Gays Medievais? Seria Frodo um homosexual enrustido ou um pré-adolescente vítima de pedófilos barbudos de camisolão,daqueles que soltam raios com o bastão?Quem sabe eu ,equivocadamente,estaria em mais um "espaço cultural alternativo"? Atormentado por estas dúvidas passei, desde então, a reconsiderar estes clubes noturnos, atribuindo-lhes uma inesperada função pedagógica ( argh!). Fiquei até com vontade de voltar lá uma outra vez e pedir ao proprietário que passasse, noite após noite, todos os meus filmes preferidos a fim de tentar descobrir neles uma nova leitura e uma mensagem oculta. Já pensou " Morte em Veneza" de Visconti exibido ali? Por uma razão ou por outra, aposto como a pista ia ficar vaziinha.




A platéia , concentrada, durante a sessão de "O Senhor dos Anéis"



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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Sobrevivência na Amazônia: uma questão fora de moda

Lá fora um calor de trinta e cinco graus ( ameno para a região) mas ela, beneficiada pelo ar condicionado , montou em seu quarto uma mesa e uma arara com suas roupas da grife Maria Bonita em linho e seda - vinte e seis quilos para ser mais exato, como pude verificar ao pesar sua mala no check-in de volta- e estava satisfeita da vida passando-as quando chegamos ao hotel para encontrá-la.
( o cenário é o Hotel Tropical de Manaus onde estive por uns dias com um grupo de amigos , todos ali pela primeira vez, para conhecer a floresta amazônica).Para estes poucos dias que passamos lá, nossa amiga , muito chic, achou adequada esta singela coleção que ,além de ter sido confeccionada em materiais leves, tinha uma sutil gradação de tons do rosa seco ao branco. E foi usando uma composição feita de sobreposições de algumas destas peças, acrescida de um chapéu tipo explorador em palha finíssima que eu havia lhe dado há muitos anos atrás e que usava pela primeira vez, que embarcou junto ao resto do grupo em uma voadeira que aluguei para passearmos pelo rio, mata adentro. Curiosa que é, e fascinada pela magnífica paisagem, postou-se bem à frente da pequena embarcação, tal qual uma elegantíssima carranca , disposta a não perder nada.Lamento informar que não foi uma idéia feliz: o Rio Negro, cor de Coca-Cola, estava transbordando, jogando muito água e alguns peixes dentro do nosso barquinho que, como o nome indica, é rasinho a fim de deslizar mais rapidamente. Quinze minutos e algumas centenas de metros depois, estávamos todos encharcados e a nossa figura de proa gritava ,como ela mesma costuma dizer, num misto de horror e fascínio: "Eu estou ensopaaaada!" Meu amigo americano achando muita graça na situação, mas ao mesmo tempo preocupado, queria muito saber o que significava aquela palavra tantas vezes repetida e se,por acaso, indicava alguma coisa grave: ensopada. Daí pra frente a história não melhorou muito pois teve índio na canoa trazendo sucuri negra de onze metros mais alguns bichos-preguiça para impressionar a nós , turistas, um pouco antes de encalharmos em um igarapé, onde fomos gentilmente informados pelo barqueiro- com um senso de oportunidade extrordinário- ter sido aquele exatamente o local de filmagem de "Anaconda", aquela história onde o tamanho da cobra é inversamente proporcional à qualidade do filme. Voltamos "pra casa" literalmente exaustos, maltrapilhos e molhados.Vencida pela Mãe Natureza- insensível aos caprichos da moda- toda aquela soma de texturas e tonalidades da roupa que antes enfeitara por alguns instantes apenas nossa aventura ,tinha se transformado em uma massaroca só.
As expectativas foram saciadas: o Amazonas e sua floresta são magníficos e implacáveis.Todavia, o que nos marcou e ajudou a tornar a viagem de nosso acompanhante estrangeiro inesquecível, foi o nosso transtorno pluvial e a palavra que jamais deve ter sido dita outra vez mas que, tenho certeza, estará para sempre em sua memória ; ao passar pela polícia federal rumo aos Estados Unidos, ele de lá gritou: "Ensopada!!!!"




Nosso quartel general em Manaus




O Amazonas e sua floresta: invencíveis.


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sábado, 30 de outubro de 2010

A festa de Brennand: um "mico" faraônico

Imagino que tenha passado pela cabeça de Cecil B. DeMille a possibilidade de filmar sua super produção, " Os Dez Mandamentos" ,em um país tropical - talvez pelas dunas nordestinas ou pela taxa menor de impostos, sei lá- e ele ligou para Francisco Brennand lhe pedindo que desenhasse e construisse parte dos cenários ,aqueles mais grandiosos reservados à história passada no reino dos faraós.Só assim é possível explicar as dimensões ,o acúmulo de peças monumentais, fontes e efeitos de luz que definem seu atelier de cerâmica nos arredores de Recife.E foi aí , fazendo a mais humilde figuração, que paguei um dos maiores micos da minha vida: um jantar para 1200 membros da aristocracia rural nordestina, todos devidamente paramentados , assentados em mesas à luz de velas com orquestra tocando, e nós, eu e meu amigo Joe, vestidos com roupa de praia, como naqueles pesadelos que a gente sonha que está nú no meio da rua. A história que antecede este mal entendido é a seguinte: eu trabalhava com uma galeria em Recife cuja proprietária, Cecília, pertence à esta poderosa e tradicional família de Pernambuco. Passávamos uma temporada de férias na cidade e num de nossos encontros , o convite foi feito por ela, minha marchande, com muita simplicidade:" Temos amanhã a festa de casamento de uma sobrinha; vocês não gostariam de ir"? " Gostaríamos", respondemos, na falta de outro programa mais interessante e também por não querer ser indelicados com a nossa cicerone.
O Joe, pela prática que adquiriu mundo afora, viaja com uma mala tão pequena que é levada dentro do avião ( para , sabiamente, evitar a espera da bagagem nas esteiras); dentro dela, no máximo, umas duas calças, um outro par de bermudas e , imagino ,umas 4 camisas.E só. Eu, que já levei até terno de panamá branco para o Arraial de Ajuda (!!!) , estava tentando mais ou menos acompanhá-lo nesta rigorosa contenção e não carreguei na bagagem nem um paletózinho sequer. Trágico engano.Quando descemos ao hall e encontramos nossa amiga nos aguardando a bordo de um vestido de paêtes e jóias ofuscantes ,percebi que havia alguma coisa terrivelmente errada, mas nada nos foi dito a respeito de nossos leves trajes primavera-verão.Fomos no seu carro e algum tempo depois ,a alguns quilômetros do "evento", ao ver tochas de fogo ao longo de todo o caminho já tive a certeza do equívoco cometido , sensação confirmada na chegada com o pequeno exército de manobristas uniformizados que nos aguardava,em número quase tão grande quanto o de convidados. E fomos nós , festa adentro, com um ar terrível de penetras, a julgar pela cara com que nos olhavam. Era batata: a mesa que a gente se assentava, as pessoas se levantavam; algumas senhoras , às vezes esqueciam suas bolsas e voltavam correndo para salvá-las dos dois vândalos.Foi numa destas inúmeras manifestações de rejeição por parte destes senhores canavieiros que tomamos a decisão: vamos nos embriagar imediatamente. Um whisky após o outro e , propositalmente, quase nada de comida para acompanhar. Deu certo, mas o resultado não poderia ter sido pior: a orquestra fez um intervalo, colocaram música gravada e meu acompanhante,antes que eu pudesse impedi-lo, fez um show solo ao som de " Dancing Queen" ( um hit de discoteca) no meio da pista de danças que , por sinal,era de grama artificial. Era a hora do Êxodo, não havia a menor dúvida. Nossa anfitriã, tal qual um Moisés ainda usando roupas da corte egípcia, nos acompanhou até a saída e com ela atravessamos o deserto e cruzamos o Mar Vermelho em direção à cama prometida no nosso hotel.
The End.



Não é a cara dos " Dez Mandamentos"?



O cenário do "mico" aristocrático-rural


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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Sally Bowles

Engraçado como a gente nota certos detalhes nada lisonjeiros na pessoa, depois que a paixão acaba : a pele do rosto um pouco suada , uma barriga ligeiramente proeminente e até mesmo um vestido mal feito e mal acabado.Foi o que aconteceu outro dia comigo em relação a Sally Bowles,quando a revi cantando "Life is a cabaret" no Youtube, depois de anos de afastamento, em consequência de um longo e sofrido romance: ela, Liza Minelli, atuando em Cabaret lá na tela ,e eu cá, devoto apaixonado , na platéia. Onze vezes eu fui vê-la; decorei todas as músicas, os diálogos e , não satisfeito, ouvia o disco da trilha do filme no meu quarto à noite. Meu Deus , como éramos íntimos! Ela cantava para mim, músicas que tinham sido escritas para nós. Almas gêmeas predestinadas ,um encontro escrito nas estrelas: fomos feitos um para o outro! Pelo menos era o que eu pensava até que ela , Liza ,resolveu vir ao Brasil e com isto me desconcertou profundamente. Antes de Woody Allen criar " A Rosa Púrpura do Cairo" em 1985, eu iria viver ,nos anos setenta, uma experiência equivalente e premonitória: minha amada sairia das telas e viria ao meu encontro nos trópicos. Arrumei a mala, coração disparado, e fui para o Rio de Janeiro encontrá-la no Teatro do Hotel Nacional em São Conrado.Sabe que eu quase não aproveitei ? Ela ali no palco, cantando e dançando ao vivo, foi demais para mim; voltei à dimensão anterior e me comportei como se estivesse vendo no cinema o seu show "Liza com Z", protegido por aquela película finíssima que impede que toquemos com as mãos as nossas fantasias , preservando-as como sonhos inatingíveis .Mas ,não, não era para ser assim tão poético: no dia seguinte fui ver o show dos Dzi Croquettes ,um grupo de bailarinos e atores, proposital e caricaturalmente travestidos- contracultura na época da ditadura militar-comandados por Leny Dale, um dançarino extraordinário,uma celebridade e um amigo de... Liza Minelli que, por sua vez , estava lá também e sentou-se bem na minha frente na poltrona de um pequeno teatro em Ipanema. Agora eu podia tocar aquele redemoinho que Sally tinha nos cabelos, a menos de 50cm dos meus dedos. Conflito, rejeição, frustação, minha pobre cabeça parecia um pequeno compêndio de distúrbios emocionais , a quilômetros de distância da pessoa que ,paradoxalmente,eu considerava a mais próxima de todas. Não deu outra : fiquei ali paralisado, olhando para a parte de trás de sua cabeça e nem nunca soube do que se tratava o show que tinha ido assistir. Algumas horas mais tarde, sugestionado pelo grupo de amigos que estava comigo, fiquei em pé na calçada esperando que ela saísse, dando uma última chance ao nosso amor impossível que, ao contrário do desejado, iria acabar ali mesmo, em alguns instantes.Quando ela apareceu ( coberta de purpurina, imagino que depois abraçar os bailarinos no camarim), passou por mim como um trator. Eu,atônito, tentando balbuciar alguma coisa, tive uma resposta mais que negativa a uma tentativa de aproximação e a um suposto pedido de autógrafo : " Não tenho caneta, não tenho caneta", berrou ela, seguindo em frente em direção ao carro que a esperava.
Antes de sair do ar, não sei porque , pensei na célebre frase de Eça de Queiroz:
" O manto diáfano da fantasia que cobre a nudez crua da verdade".








Minha amada em pleno exercício de sua função em " Cabaret"



Os "Dzi Croquettes"

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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Não perca a cabeça, seja democrático.


Quando fui,mesmo que por uma única vez ,em uma reunião de condomínio,numa reunião de pais na escola ou em qualquer outra atividade que envolvesse um grupo de pessoas, sempre me lembrei da frase dita por Charles I,rei da Inglaterra (no cinema representado por Alec Guiness) minutos antes de ser decapitado, em 1649 : " A democracia é uma invenção leviana dos gregos, baseada na crença de que se pode fazer coisas extraordinárias com pessoas absolutamente comuns" .No primeiro exemplo citado acima, me lembro bem, moradores veementes e participantes, democraticamente discutiram durante mais ou menos três horas se a varadinha do apartamento deveria ser lavada com vassoura , água e sabão ou apenas limpa com pano molhado; o instigante debate se encerrou ( sem solução) ,entusiasticamente, com um sorteio de vagas na garagem. No segundo caso, houve mais criatividade: nós (as vítimas) fomos colocados sentados em círculo e intimados a jogar um rolo de barbante pelo chão.Quando vi este deslizante objeto se dirigindo a meus pés -esta era a regra do jogo- e que,tão logo fosse alcançado por ele, teria de dizer quem era eu, o que pensei foi o seguinte:
" Boa tarde, sou uma pessoa antiquada e antidemocrática.
Penso como "as elite": sinto falta de glamour.Detesto aeroportos lotados com cara de rodoviária em final de ano e se for para ir de navio ,prefiro um ambiente a bordo como " La nave va" de Fellini em vez de tirar foto no celular com o capitão;em terra firme, sou carente de uma boa livraria que não venda artigos escolares , mochilas e brinquedos de plástico e tenho saudade de cinemas fora de shoppings, onde podíamos ver um filme sem ter a sensação de estar interrompendo uma orgia infanto-juvenil regada a pipoca e refrigerante.Gosto daquela praia vazia, sem música axé tocada no volume máximo, e onde o dono do único boteco leva bebidas e tira-gostos pra gente na areia.Não participo de "churrascos" , uma atividade social execrável, com todos aqueles maridos de shorts levando tirinhas de picanha para suas esposas ; tenho a convicção de que se o ágape for em sítio, com larajanreiras de tronco pintado de branco, deveria ser permitida , por lei, a eutanásia.Associações e clubes, nem pensar. Também, senhores pais e professores, ainda conjugo,quando necessário, verbos no presente do subjuntivo e nem sob tortura "vou estar fazendo" uso do gerundismo adquirido na internet ( que, a meu ver, pressupõe um transtorno obssessivo-compulsivo do sujeito, o qual deverá praticar a ação sem parar até o final dos tempos). Sou mais Atenas do que Esparta, isto é , gosto imensamente de ler, mas luto, dentro ou fora das academias, com o suplício da atividade física ( o que poderá ocasionar ,num futuro próximo, uma cultura literária razoável acompanhada de uma generalizada atrofia muscular); não faço yoga -principalmente com o recente acento circunflexo no "o"- mesmo se isto salvasse a minha alma do Inferno ( o que seria , de qualquer maneira, pouco provável).Para terminar, não acredito em terapia de grupo, criação em equipe ( segundo o Millôr, daí resultou a existência do camelo) e muito menos em chatíssimas reuniões escolares como esta".
Claro que eu não fiz nada disto. Quando, finalmente, senti a esperada batidinha no meu calcanhar, mantive minha cabeça no lugar e lhes disse apenas a minha profissão: "Sou pintor".






Meu retrato: antiquado e antidemocrático.

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terça-feira, 26 de outubro de 2010

Esprit de Corps

Quando foi criado em 1975, o nome escolhido teve um duplo sentido:obviamente se referia ao corpo humano como ferramenta da dança mas também à idéia de conjunto, um grupo de pessoas unidas como partes de um todo, em função de um conceito e de um belo trabalho: Grupo Corpo Companhia de Dança.
A partir de 1992 , com "21" ( música Uakti), fez-se algo novo na dança do nosso país: as trilhas musicais usadas em seus espetáculos passaram a ser especialmente compostas por grandes músicos brasileiros e o vocabulário coreográfico que resultou daí, pelas mãos de Rodrigo e Paulo, foi -e continua sendo- igualmente inovador. Colaboradores de áreas diferentes foram chamados para criar cenário, figurino, iluminação,design gráfico, etc, e deram ao Grupo uma identidade visual que se tornou sua marca registrada. Curiosamente, há mais de 50 anos antes disto tudo acontecer, Diaghilev não fazia coisa muito diferente com a sua companhia " Ballets Russes". Em uma destas sincronicidades junguianas ( ou se preferir , coincidências do tipo "nada acontece por acaso"), abri o livro "Art of our Century", há tempos abandonado na estante, exatamente na página que mostra, na transcrição de uma matéria de 1924, a estréia de seu novo trabalho , "Blue Train" , no Théâtre des Champs Élisées em Paris. Depois de escandalizar as platéias com espetáculos como " L'après midi d'un faune"( onde Nijinsky simulou um ato sexual em cena), desta vez ele escolheu como tema o trem expresso que ligava a capital francesa à Riviera e o deleite de seus passageiros nas praias do litoral mediterrâneo. A turma que ele convocou foi a seguinte: o libretto foi encomendado a Jean Cocteau , a música composta por Darius Milhaud e a coreografia coube a Bonisklava Nijinska ( irmã de Nijinsky). O cenário ficou a cargo do escultor cubista Henri Laurens e o figurino foi feito por Gabrielle (Coco) Chanel. Picasso,que fez desenhos para ilustrar o programa, ficou impressionado com o efeito da cortina do proscênio, uma enorme reprodução de uma pintura sua feita alguns anos antes, "A corrida". Todo o mundo estava lá.
Não por coincidência, mas pelo mérito de sua obra, o Corpo vai se apresentar mais uma vez, no próximo mês , no mesmo palco do Théâtre des Champs Élisées, na elegantíssima Avenue Montaigne. Entretanto, não vai encontrar ,com certeza, o ambiente pós Belle Époque que povoava a cidade e as platéias do teatro nas apresentações do balé russo ,oitenta e seis anos antes. Depois de passar por aeroportos lotados e rígidos esquemas de segurança, vai enfrentar,sim, uma população agitada, fazendo greves e passeatas, protestando contra a política de Nicolas Sarkosy.
Fazer o que? C'est la vie.




" Blue Train"- 1924





Detalhe da cortina : Picasso , "A corrida".

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sexta-feira, 22 de outubro de 2010

As férias dos meus sonhos: uma temporada no inferno

O negócio é aquela renazinha maldita .Quando eu passo na frente da casa em um condomínio próximo ao meu e a vejo em sua armação de ferro envolta em fios verdes, sinto que estou perdido: faltam alguns dias apenas para que ela seja acesa com aquelas luzinhas pequenininhas e imediatamente declarada aberta a temporada do Natal ( a de caça , neste caso seria um alívio). Não é sómente a celebração da data do nascimento de Cristo que marca esta época, mas, principalmente, todo um longo período de torturantes preparações que a antecede. Engana-se aquele felizardo, que tem em sua casa apenas um jantar tranquilho com um peru na mesa e um presépio ao lado, ao supor que seja este o comportamento geral. Não! A grande maioria das pessoas sente pânico neste período de compras, chuvas , engarrafamentos e,nos casos mais graves como o meu , começa a elaborar a sua fuga e cavar seu túnel desde o primeiro semestre. Planejo , procuro conciliar interesses e possibilidades, pois levo sempre comigo um filho ,atualmente com onze anos, e uma mãe de noventa, recém completados. Nem a Mulher Incrível possui tal elasticidade turístico-social e eu- que não tenho super poderes nem nada- fracasso todo ano em meus projetos, flagrantemente.
Araxá? Tem termas para os mais velhos,local tranquilho e bucólico, com monitores que cuidam das crianças o dia inteiro.Perfeito. E eu? Eu, certamente, vou ler- é o que sempre penso- e vai estar tudo bem. Quando cheguei e me vi diante de uma fachada de um prédio digna do hotel de " O Iluminado", senti uma fincada no estômago; o beliscão no peito que sempre anda junto a esta outra dor, veio logo em seguida quando fomos levados aos quartos através de longos,desertos e escuros corredores atapetados, que me deram a certeza plena de estar ingressando ,de forma definitiva, no sanatório de tuberculosos de " A montanha mágica". Quando enxerguei da varanda do quarto ,uma imensa e frenética multidão desembarcando de dezenas de ônibus de turismo, paguei uma rodada tripla , com intenção de me matar por afogamento, imerso no " banho de pérolas".Debalde. Ninguém sai de cena assim, impunemente: aqui se paga,aqui se faz!
No ano seguinte optei por um programa mais alegre e glamoroso: o tal do cruzeiro marítimo! Claro, foi ainda pior: aprisionado em uma espécie de Miami genérica e flutuante, não havia como escapar dali a não ser através de um derradeiro e fatal mergulho em alto mar. Bingo em castelhano ( com microfone) ao redor da piscina, antecedendo uma aula de axé, me pareceu uma paródia engraçada, algo assim como a classe média vai ao Paraíso,paradoxalmente, menos suave e divertida do que uma temporada no Inferno E a comida , já incluída nestes pacotes? Como os cozinheiros do (agora sob reforma) Hotel Glória no Rio, os chefs são divas da anti- culinária , capazes de estragar uma simples salada de folhas e servir algo impossível como uma pizza queimada em baixo e crua em cima.Gênios do Mal.
O reveillon " a bordo" é inesquecível: uma massa humana munida de taças de champagne morno e adocicado, vagando a esmo pelos decks e ao redor das piscinas, loucos para celebrar algo que não aconteceu, esperando um Godot que não virá ,prontos para um êxtase sem motivação, olhando rumo a um horizonte sem nenhuma renovação à vista. O apogeu veio à meia- noite: quando o navio começou a apitar de uma forma insistente e enlouquecedora, não tive dúvidas que estávamos afundando, sem sequer o consolo da consagração póstuma de um Titanic ; todos lá, patéticos, de branco e vestidos bordados de dourado destinados a ficar boiando em águas tropicais. Morte inglória.
Com a chegada de Novembro, a aflição começa a me dominar: dou a volta, passo pela rua ao lado mas sei que, mais cedo ou mais tarde, ela- meu algoz, a rena- estará lá,inabalável,resplandescente, vaticinando o meu infortúnio e, com certeza , mais um passeio de mãos dadas entre as chamas, não como Dante e Beatriz, mas com o demo em pessoa.




Já a caráter para a próxima viagem: Canoa Quebrada.

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Terapia em Pompéia : um "insight...

Foi nas diversas versões cinematográficas dos últimos dias de Pompéia que "eu me encontrei." Cruel contra-ponto, considerando aqueles cidadãos perdidos, em desespero com a iminente erupção do vulcão, correndo desesperançosos, agarrados às suas ânforas,às suas crianças e aos seus leitões enquanto,ao fundo, reinava solene o telão cenográfico, reproduzindo a paisagem causadora de tanta desgraça: várias montanhas e em meio a elas o impávido colosso, o Vesúvio, indiferente a tudo, gozando com antecedência o momento em que ,brevemente, iria expelir a larva devoradora da carne das pobres e desvalidas criaturas.O mais estranho era que, apesar de todo o empenho do diretor de arte ,a cena sempre se passava em dois níveis - ou dois planos - quer dizer, não havia jeito daquela população desorientada se juntar, objetiva e subjetivamente, àquela pintura ameaçadora; faziam cara de aflição,esgares de terror,mas nada fundia aquela gente à reprodução longínqua que regia a cena em questão: os derradeiros momentos de uma cidade ameaçada de extinção. Eles lá, morrendo um a um, e aquele grande monte com neve no topo e fumacinha saindo, na maior calma, em um aparente grau de espiritualidade elevado, inalcançável pelos mortais defronte, vassalos à sua mercê, vítimas de sua índole assassina. Depois de vivenciar fobias, pensamentos mágicos e transtornos obssessivos em outros filmes históricos de baixíssimo orçamento, desta vez o insight foi outro: entendi bem, naquela minha poltrona-divã , a extensão do significado de solidão, desajuste e rejeição. Uma grande indiferença no estúdio ao seu redor e você lá, em seus extertores finais, frente ao seu destino fatal ,alvo da zombaria e do capricho dos deuses,incapaz de se "inserir no contexto" . Justiça seja feita a todos estes extras, estes integrantes do segundo escalão, vítimas de uma esquizofrenia cênica que ,mesmo vivendo esta disparidade- atores e cenários flutuando em esferas distintas- tinham em seus rostos a expressão perplexa dos que vão morrer , cientes talvez de que na " vida real", mais cedo ou mais tarde, de um jeito ou de outro, a coisa será pra valer.

Muito tempo depois, em um viagem de carro pela Itália, passei em frente a Pompéia e , inexplicavelmente, não entrei ali para visitar suas ruínas. Após anos de arrependimento por este descaso repentino, hoje tenho uma visão mais clara e menos culpada do que aconteceu: obcecado pela psicologia barata com me deliciei no meu passado, o que se passou ali,verdadeiramente, há muitos séculos, não tinha,na realidade, nada a ver comigo. O que eu gostava mesmo era de ficar ali no cinema, obilubilado diante de um filme B, " em busca de minha verdade interior".

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Terapia em Pompéia : um "insight" arqueológico

Foi nas diversas versões cinematográficas dos últimos dias de Pompéia que "eu me encontrei." Cruel contra-ponto, considerando aqueles cidadãos perdidos, em desespero com a iminente erupção do vulcão, correndo desesperançosos, agarrados às suas ânforas,às suas crianças e aos seus leitões enquanto,ao fundo, reinava solene o telão cenográfico, reproduzindo a paisagem causadora de tanta desgraça: várias montanhas e em meio a elas o impávido colosso, o Vesúvio, indiferente a tudo, gozando com antecedência o momento em que ,brevemente, iria expelir a larva devoradora da carne das pobres e desvalidas criaturas.O mais estranho era que, apesar de todo o empenho do diretor de arte ,a cena sempre se passava em dois níveis - ou dois planos - quer dizer, não havia jeito daquela população desorientada se juntar, objetiva e subjetivamente, àquela pintura ameaçadora; faziam cara de aflição,esgares de terror,mas nada fundia aquela gente à reprodução longínqua que regia a cena em questão: os derradeiros momentos de uma cidade ameaçada de extinção. Eles lá, morrendo um a um, e aquele grande monte com neve no topo e fumacinha saindo, na maior calma, em um aparente grau de espiritualidade elevado, inalcançável pelos mortais defronte, vassalos à sua mercê, vítimas de sua índole assassina. Depois de vivenciar fobias, pensamentos mágicos e transtornos obssessivos em outros filmes históricos de baixíssimo orçamento, desta vez o insight foi outro: entendi bem, naquela minha poltrona-divã , a extensão do significado de solidão, desajuste e rejeição. Uma grande indiferença no estúdio ao seu redor e você lá, em seus extertores finais, frente ao seu destino fatal ,alvo da zombaria e do capricho dos deuses,incapaz de se "inserir no contexto" . Justiça seja feita a todos estes extras, estes integrantes do segundo escalão, vítimas de uma esquizofrenia cênica que ,mesmo vivendo esta disparidade- atores e cenários flutuando em esferas distintas- tinham em seus rostos a expressão perplexa dos que vão morrer , cientes talvez de que na " vida real", mais cedo ou mais tarde, de um jeito ou de outro, a coisa será pra valer.
Muito tempo depois, em um viagem de carro pela Itália, passei em frente a Pompéia e , inexplicavelmente, não entrei ali para visitar suas ruínas. Após anos de arrependimento por este descaso repentino, hoje tenho uma visão mais clara e menos culpada do que aconteceu: obcecado pela psicologia barata com me deliciei no meu passado, o que se passou ali,verdadeiramente, há muitos séculos, não tinha,na realidade, nada a ver comigo. O que eu gostava mesmo era de ficar ali no cinema, obilubilado diante de um filme B, " em busca de minha verdade interior".






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sábado, 16 de outubro de 2010

Cega obssessão: o preço de uma boa ação

"Toda boa ação tem seu preço", reza o sábio ditado. Ajudar os outros é uma coisa complicada e nem sempre dá certo,todo mundo sabe.Muitas vezes, é dar tiro no próprio pé. Meu pai,que foi um homem generoso e que gostava muito de ajudar todo mundo,cético que era,achava que a gratidão é gerada pela expectativa de novos favores a serem obtidos.Sem essa esperança, neca.Como se diz hoje em dia na idiotice da linguagem globalizada da internet , boa ação não dá retorno e nem tampouco agrega valores. Burrice igual, "Procure investir em si mesmo!", berram os manuais de auto-ajuda contemporâneos.Para manter as minhas considerações nesta ausência de profundidade que lá vem vindo aqui no texto, talvez haja, no final das contas, uma certa sabedoria na indiferença de todo mundo em relação aos problemas alheios. Há livros e músicas que falam sobre isto em diversos níveis, mas me parece que é nos filmes que as histórias sobre este tema ganham mesmo a sua dimensão épica; como a que meu amigo me contou de " Sublime Obssessão" eu nunca ouvi igual e é de deixar Deborah Kerr com sua paralisia disfarçada por cobertorzinho em "Tarde demais para esquecer" no chinelinho.O "enredo" é uma drama magistral ( que poderia ser um clássico de Nelson Rodrigues se o cenário fosse a classe média carioca) e foi dirigido por Douglas Sirk, o mesmo de "Imitação da vida" ( outro exemplo de malfadado altruísmo pois a mãe negra não recebe na história um tratamento políticamente correto,para dizer o mínimo). É mais ou menos assim: Rock Hudson( o eterno galã que,na verdade, era gay) faz o papel de um rapaz que, acidentalmente, atropela um casal, matando o homem e deixando sua companheira cega. Corroído pela culpa ,procura gradualmente se aproximar dela e conquistar seu afeto e a sua amizade ( e a coitada , imagino, sem enxergar, como poderia saber que ele era justamente o assassino de seu amado?). Vai bem mais além, pois começa a estudar,entra para a Faculdade de Medicina ( a estas alturas da narrativa eu já estava quase gritando) e se torna oftalmologista ( claro!) para salvar a moça-provavelmente já apaixonada por ele- e devolver-lhe a visão!!! Nunca vou saber o final da novela pois aí ,achei que a coisa toda estava demais,interrompi o narrador e, colocando-me no lugar dela ao enxergar pela primeira vez o seu salvador miraculoso,berrei: " Fui enganada esse tempo todo, você é viado!!!"
Viu?




O olhar cego,objetiva e subjetivamente falando,de nossa heroína.

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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Seis graus de separação: como contactar Caetano Veloso

Quando Caetano estava cantando "Burn it bllue" na noite do Oscar ,ele não sabia - mas vai saber agora pois tenho a alegria de tê-lo como leitor-que havia um curioso encadeamento de fatos,circunstâncias e pessoas que contribuíram para que tudo desse certo.Por isto,naquele momento emocionante, eu não pensei em Frida Kahlo mas ,sim, em outro filme, " Seis graus de separação",um roteiro ótimo com grandes atores, que joga no meio da deliciosa história (um sofisticado casal de marchands recebe a visita, em plena madrugada, de um suposto filho de Sidney Poitier, que havia sido assaltado no Central Park) a idéia de que entre nós e qualquer outro ser vivo, por mais distante que seja, há seis pessoas intermediárias que podem levar você até esta criatura.Posto isto, é preciso que se diga, ao apresentá-lo aqui, que há uma certa redundância e um trocadilho onomatopaico em relação a Joe Melillo, diretor do BAM, e o bam,bam,bam do meio teatral de New York. Ficamos amigos em função do trabalho ( ele é o diretor da Brooklyn Academy of Arts, o mais prestigiado e poderoso teatro de NY,onde o Grupo Corpo se apresenta) mas aperfeiçoamos nosso relacionamento nas praias brasileiras onde ele veio,ano após ano,passar o verão. Ponto estratégico e quartel general destas viagens: Salvador! A empresária do Corpo nesta cidade, Marília,é filha de Gilberto Gil e sua sócia,Pitti- que tem uma função chave nesta história - é amiga de todos e de Carlinhos Brown em especial.Some a isto, nosso conhecimento com Caetano e você terá a capital baiana para novaiorquino nenhum botar defeito. E assim foi ,perfeito,durante todo este tempo.Joe se encantou com a Bahia ,tremeu nas bases emocionado quando conheceu seu ídolo - outra vez , Caetano- e disse ter visto Deus pela segunda vez na vida ( não perguntei qual foi a primeira) em um ensaio da Timbalada, nesta época ainda no quintal da casa de Carlinhos na favela do Candial. Meu amigo americano também se deu muito bem com nossa anfitriã e cicerone; por isto quando sua amiga , Julie Taymor,responsável por um dos maiores sucessos da Broadway, O Rei Leão,lhe disse que estava dirigindo um filme sobre Frida Kahlo e queria Caetano Velloso para cantar a canção do filme, não deu outra: pensou na hora em Pitti. Ligou para mim,que telefonei para Pitti, que promoveu o encontro dos dois.Paul Simon não teve a mesma sorte( deve ter ficado sabendo desta história ou, no mínimo, viu o mesmo filme): pediu ao Joe,que ligou para mim e ....Não deu certo. Caetano falou com ele e não quis interromper uma tournée já marcada para cantar em um show,juntos,em NY.Paciência.
Julie Taymor,Joe Melillo,Grupo Corpo,eu,Marília Gil,Carlinhos Brown,Pitti Canela,Caetano Velloso.
Não custa tentar,experimente: são só seis graus de separação.




-A confirmação da história por Joe,hoje, via email.

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terça-feira, 12 de outubro de 2010

A gripe de Abgard Renault ( ou como se livrar de seu soutien)

Afonso me contava rindo que toda a vez que seu tio, Abgard Renault, tinha um compromisso indesejável ,usava um ótimo recurso: " Que dia é mesmo?
Terça- feira? Não, terça-feira não posso, vou estar gripado."
A idéia é tão boa que me faz pensar até mesmo em um cardápio onde se poderia escolher,por antecipação, a doença amena de que seríamos acometidos, de acordo com a exigência da ocasião: alergia para vernissages me parece correto, intoxicação alimentar diante da ameaça de qualquer cerimônia de posse - cargo político,ou não- torcicolo para batizados,dores lombares para casamentos e, mais grave,hérnia de disco para aqueles com recepção após( em caso de festas com decoração tipo "estive-em-Bali-e-amei" seria admissível acrescentar a fratura de uma ou duas vértebras).
Para palestras sobre ecologia e sustentabilidade, gastrite nervosa seria uma boa opção, enquanto sinusite aguda serviria para apresentações em colégios ( para reuniões de pais de alunos, pelo seu caráter periculoso, seria sugerida internação com - falsa- crise de apendicite).
Tal misantropia tem justa causa: comecei cedo e ,por conta própria ou por exigência profissional,não parei mais.Quer dizer,até há bem pouco tempo atrás quando- para usar uma expressão que meu pai adorava ( mas não praticava)- eu não havia ainda " tirado o soutien da alma". Livrei meus ombros daquela martirizante alça torcida da obrigatoriedade, aliviei as costas do fecho apertado da gentileza de dizer sempre "sim". Como as primeiras feministas, lancei ao fogo este bárbaro instrumento de auto-flagelação: chega! Hoje, na minha praia, exibo meus peitos nús, para deleite de alguns e desgosto de outros ; a pele clara , assim exposta,protejo com filtro contra inveja.
Tal solidão, é amenizada entretanto pela visita de amigos que, na pior das hipóteses, vêm, curiosos, ver de perto o que a lei da gravidade fez comigo.




Lúcia Nemer- " À beira do frontispício": O importante é tirar o soutien da alma.

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Aimez-vous Schumann?

Se eu fosse dar uma de Tarantino em " Pulp Fiction" , eu começaria esta história na loja da Virgin , na Avenue Champs Elysées em Paris, onde nosso personagem principal acaba de comprar um disco que tem ,entre as suas composições, um poema de Heinrich Heine musicado por Schumann .Não foi fácil. Para convencer um jovem vendedor francês a desembalar vários CDs até que, a nossa arca das ilusões perdidas , o nosso Santo Graal das histórias de amor,ou seja, o disco tão desejado,fosse encontrado, Lúcia, a emissária que o acompanhava, teve de contar tudo. E foi mais ou menos assim.
Estávamos dentro de uma van,noite chuvosa ,trajeto longo,sómente um casal e eu, sem ter muito o que conversar - já que não havia muita ,ou melhor, nenhuma intimidade entre nós- até que saquei da algibeira uma de minhas perguntas favoritas, nesta e em vários outros tipos de situação: "Como vocês dois se conheceram?" Diante desta invasiva mas romântica questão,nem ele, pessoa um pouco tímida e introvertida, resistiu : "Houve um período,disse-me ele, em que, durante várias noites seguidas, eu acordava com a visão de uma pequena árvore ao lado de minha cama, como se tivesse sido plantada ali. Conversei sobre este fato com uma amiga, que me disse conhecer um poema de Heine ,do século XIX, com uma história semelhante à minha" ( o desenrolar é um pouquinho complicado mas vale a pena acompanhar). Sua amiga, cujo nome não sei, vai para o interior de Minas- Poços de Caldas ,se não me engano- passar o final de ano com a família ,onde se encontra com sua sobrinha (que também morava fora e estava ali pelo mesmo motivo) e lhe conta a coisa toda. Ela, a sobrinha,por sua vez, o conhece de nome mas não o identificou como o cliente a quem ela atendia regularmente na livraria em que trabalhava,até que viu,ocasionalmente, sua foto em um jornal.Juntou uma coisa com a outra, e descobriu ser ele, o homem da visão ,o seu "freguês".Muito bem. "Quando nos vimos novamente no local de trabalho dela, continua ele, ela recitou para mim os versos que havia lido sobre meu "sonho".
Casaram-se algum tempo depois e este pequeno roteiro poderia terminar aqui se eu não tivesse almoçado,anos depois, com uma


Heinrich Heine

cantora lírica, à qual contei ,empolgado, tudo que acabo de escrever acima. Ela, Jeniffer , disse-me que não só conhecia o poema de Heine, como sabia também que ele havia sido musicado por Schumann e ,ali mesmo, no meio do restaurante Bernachon,em Lyon, cantarolou um pequeno trecho da canção ( "lieder"). Mais
tempo se passa e estamos em Paris; ele ( agora já um amigo), eu, e a razão de todos nós juntos ali: a Companhia do Grupo Corpo que se apresentava em temporada nesta cidade. E o caso da poesia agora transformada em música, volta à tona em nossas conversas (ele presente), ainda por terminar. Cinco,seis horas da tarde-pouco tempo portanto antes do nosso espetáculo começar- a Lúcia,ansiosa, não resiste: decide ir com ele à loja de discos mais próxima ao teatro e esclarecer a questão.Este é o momento em que retornamos ao início do texto e ao já sabido final da fita.Entretanto,é preciso que se diga, ainda não acabou : meu amigo e personagem comprou um só exemplar do disco, não me disse qual era e sequer me mostrou sua capa.Eu nunca soube portanto , qual foi o resultado desta fusão poético- musical que coroou a busca de uma resposta a uma curiosidade de tantos anos atrás.
Talvez haja histórias que, ao contrário da ficção, devam permanecer ocultas, como músicas e poemas que foram vividos, sentidos e pensados mas jamais foram escritos.



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sábado, 9 de outubro de 2010

The man I love: a boutique dos clichês

Assim como na canção,ele veio. Não, nada disto,corta,corta!!!Pra começar eu é que fui atrás dele e ,depois, o fato dele ser grande e forte como diz a letra,no caso,não interessa. Com ele são outros quinhentos: humor,inteligência ,cultura e ,como resultado desta soma ,o uso cuidadoso da palavra ( e quando digo isto, quero dizer elegante,sem ser chato e pedante). Há uma hierarquia que,mesmo nos momentos mais graves, deve ser respeitada( também - e sobretudo- pelo interlocutor), palavras cuja repercussão têm para ele os níveis de gravidade grande, média e pequena.Assim como se você entrasse em uma boutique e escolhesse nas prateleiras e "araras", um vocábulo ,frase ou expressão ,em um dos tamanhos mencionados acima. "Patamar" por exemplo é médio,já "mineiridade" é G. "Qualidade de vida" (jaqueta jeans bordada com tachas ,36 a 42) )para ele é jamais ter de se expressar desta maneira e pode ocasionar um afastamento , com uma desculpa polida, de até duas semanas. Há casos em que ,mesmo contra sua convicção mais profunda ( êpa! GG!),acontece um rompimento definitivo; as consequências desta súbita mudança em uma relação( XXL ) entretanto não são fatais por serem exatamente pessoas que se encontraram ( fora do mostruário ).Jamais agregou valores ( blusa com 3 peças em sobreposição, lycra).
Pois num surto ,eu me abri ( malha decote em V,tamanho único)com ele , me assumi ( calça justa de couro, unissex) e lhe disse toda minha verdade mais profunda ( conjunto em helanca, de 46 a 52) : "Estou em paz comigo mesmo ( pantalona estampada com blusa frente única),encontrei um equilíbrio interior(shortinho com mini blusa,P,M ,G) Eu me gosto.( modelo para noite em lurex, todos os tamanhos , 50% de desconto).
Mas nem sempre foi assim. Antes desta bem aventurança toda ,no meu estado predileto de deprimido neurótico,eu era chic ,sabia me expressar bem. Cheguei ao seu consultório e, respondendo à sua pergunta sobre a razão de estar ali, eu disse: " Sofro da síndrome de Blanche Dubois", ao que ele prontamente acrescentou: "Depende da generosidade de estranhos?". E eu tive a certeza ,naquele momento,ao me deparar com alguém capaz de citar prontamente Tenessee Williams,que eu tinha encontrado o meu homem. E dele nunca mais me desgarrei.
Para Guilherme,com amor.







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sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O primeiro a gente nunca esquece: a última vez que vi Paris

Ninguém queria fazer, tinham receio de que não desse certo mas eu acabei convencendo meu compadre Paulo,o diretor: 30 anos do Grupo Corpo, trilha do Zé Miguel e Caetano para o novo espetáculo, Onqotô... Tinha tudo a ver. Dito isto,assumo a responsabilidade, publicamente, pois o projeto,realmente não foi, como previsto ,o que se esperava.Em duas palavras: não funcionou. Estou falando do longa " Grupo Corpo,uma família brasileira" ,produção e direção da família Barreto .A idéia , era se fazer uma ampla e detalhada documentação de tournées da Companhia no Brasil e no mundo ( a meu ver, uma espécie de " Na cama com Madona",trocando-se ,evidentemente, a diva pop pelos Pederneiras e portanto,por incrível que pareça, mais divertido e movimentado que o original) mesclada à história da família e trechos de espetáculos ao longo destes anos todos. Muito bem,lá fomos nós, Rio,São Paulo, New York,Londres, Paris... E foi aí,nesta última cidade que tudo aconteceu. Quem resiste sair andando no Marais,capote de inverno, Fábio,um diretor com filme (que eu não conhecia) indicado ao Oscar , sua equipe, câmera e aquela coisa peluda que grava o som, diretamente sobre você? Eu,lamento desapontá-los, não resisti: achei que eu era o tal, "o cara" ,aquele no qual,o Barak se já fosse Obama, daria com intimidade e admiração,um tapinha amigo nas costas. Superando o limite estipulado por Andy Warhol, meu flerte com a fama durou mais ou menos 12 horas.Quando cheguei ao hotel, de volta da filmagem, meu dedão do pé estava vermelho,um pouco inchado e,coçando! Será? Em Paris? Mas nunca me aconteceu antes... Não deu outra: esquenta a agulha, cavuca daqui ,cutuca dali e ele apareceu: o meu primeiro,aquele que resolveu ,assim do nada,surgir logo lá, na cidade mais chic do mundo. Sua cabecinha surgiu envolta em uma aura de punição e ,num momento de delírio, cheguei a achá-lo meio parecidinho com o Torquemada, o chefe da Inquisição Espanhola, careca e branquelo,pronto para exorcizar os males demoníacos que haviam se apossado de meu corpo. Em segundos , a espada divina, a queda do arcanjo,o fim da glória prometida, a volta à monótona, desprezível e corriqueira condição humana: eu tinha bicho-de pé. A consciência deste estado redutor,no entanto,persistiu sómente até depois do café da manhã do dia seguinte; desculpem-me ,eu sou fraco,apaixonado por cinema e bastou uma nova tomada de cena em outro canto parisiense para que eu me esquecesse da esclarecedora experiência religiosa da noite anterior.Foi só a claquete bater e gritarem," Câmera, ação! " e eu me entreguei novamente, de corpo e - principalmente- de alma também. De repente,parado bem ali,na escada rolante do Pompidou,estava ele, o outro, o "tinhoso" , perigosamente sem chifre nem rabo pontudo , muito antes pelo contrário: já que era cinema - sempre é - tinha a forma sedutora de Al Pacino,misterioso,malévolo e sorrateiro . Falando mais pelo branco de seus olhos do que por sua boca maldita disse: " A vaidade é meu pecado favorito". Desta vez , o bicho realmente me pegou.




"Ele" , olhando para mim em Paris...

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quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Fale tudo sobre ela

Ezra Pound disse, referindo-se ao escritor Henry James, que havia previsto e antecipado o Armagedon, trinta anos antes da Grande Guerra: "Os artistas são a antena da raça."
Além de ser pintor, e conviver através do exercício da profissão com certas percepções, talvez mais aguçadas das que habitualmente se tem, pude comprovar a eficácia e veracidade deste conceito quando, em 2002, fui assistir "Fale com ela" de Pedro Almodovar. Há muitos anos antes eu tinha vivido uma história muito semelhante àquela do filme e tive a sensação de que o diretor , não sei como, recebeu as minhas ondas, ( vibrações , ou seja lá o que for que a gente manda para este tipo de antena) na hora de escrever o roteiro deste filme . No meu caso, não tinha toureira mortalmente ferida no leito ao lado e, infelizmente, Caetano não cantou.
Fiquei vinte e um dias entrando e saindo do CTI de certo hospital com uma falsa identidade ,cuidando de uma paciente e ,como o rapaz do filme, passei-lhe cremes, loções para limpeza da pele ( calêndula, lembro-me bem) , conversei sem ter certeza de ser ouvido e, como o roteiro neste caso exigia do personagem, passei ,no papel de Doutor, muito aperto para dar parecer sobre exames dos quais eu não entendia patavina. Demonstrando uma certa aptidão para as câmeras, fazia cara de inteligente , meditabundo, franzia o senho , punha a mão no queixo e, canastrice ímpar,mostrava , uma determinação ferrenha de herói salvador de pessoas indefesas pela doença: durante uma crise ,proibi que lhe aplicassem dolantina ( um analgésico derivado da morfina muito usado após cirurgias) por não saber do que se tratava ,sendo levado em seguida, num momento de grande suspense, a uma reunião com o chefe do plantão noturno que ,estupefato diante de minha ignorância, explicou-me a fórmula e o uso do medicamento. Para completar a tensão reinante ,o médico cuja identidade eu havia assumido, me fazia ameaças mortais ao telefone :" Você vai jogar meu nome na lama!" deixando implícitas possíveis atitudes de revanche e de vingança.Convicto de meu papel na perigosíssima farsa,entrava e saía do prédio pelo elevador de serviço, juntamente com a roupa de cama do hospital, receoso de que me tomassem de volta o mágico crachá que me permitia entrar ali e interrompessem uma promissora carreira de ator de seriado de TV que se iniciava. Agia como se fosse uma mistura de Dr Kildare ( hoje seria House) com um esteticista shamânico capaz de aplicar cosméticos de efeitos milagrosos e rejuvenecedores .Sejamos justos: não propriamente devido à minha atuação, já que eu era ainda um mero figurante nesta história, o negócio deu certo e o final foi feliz. A mulher, tida como morta ao dar entrada no hospital,ficou boa, como acontece também na versão espanhola Contudo, não transamos, não tivemos filho e não fui para a cadeia por isto. Pudera, tratava-se de minha mãe, e eu , ao contrário do título do filme anterior de Almodovar,não falei aqui ,nada sobre ela.



Pedro Almodovar o "antenado" diretor de "Tudo sobre minha mãe"
e " Fale com ela"

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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O exílio de Maria Teresa

O " Manual de instruções para a vida",um pequeno livrinho que eu adorava e comprava sempre na banca de revistas do aeroporto, tinha conselhos ótimos ; o problema era que, mesmo concordando com eles, eu jamais os segui. Um então, me lembro bem, que ficava lá no meio da página em letras grandes em negrito, dizia: " Jamais dê palpite no cabelo de alguém".
Tenho a sensação - e quem me conhece sabe disto- que não fiz outra coisa na vida a não ser transgredir esta regra de conduta e, mais ainda, não me limitei sómente à área capilar especificada : tentei derrubar penteados, violentar sobrancelhas, revolucionar bocas, clareei e escureci ,verbal e mentalmente, o rosto de centenas de mulheres , através de conselhos gratuitos ,dados às vezes a estranhas, vítimas preferidas de uma espécie de um assalto estético-visual. A última vez, alguns dias atrás, na feirinha de flores,lá fui eu ,incorrigível e voraz,sem quê nem pra quê ,abordar a proprietária de um dos barracas na qual compro com frequência ; com um tanto de flores na mão,eu lhe disse, assim "na lata": "você clareou muito seu cabelo,puxou a cor para um tom avermelhado- mertiolate e está parecendo dez anos mais velha!" Coitada, ficou tão atônita que se esqueceu de me cobrar e eu saí sem pagar. Mas,por bem ou por mal, um semana depois ,na sexta feira seguinte, lá estava ela de volta à cor normal, dez anos mais jovem e a minha conta,desta vez,paga.
Este tipo de gente intrusa ,como eu,que vive do próprio olho e acha que por isto e para a felicidade geral da nação, pode sair por aí " melhorando" o mundo, tem um precedente mais famoso, numa situação mais grave e bem pior,envolvendo "gente da pesada" . O fato,segundo consta, é que Denner, o grande estilista brasileiro - com o intuito de transformá-la em uma Jackie Kennedy brasileira-


se tornou o que hoje chamamos hoje de "personal stylist" da primeira dama do Brasil na década de sessenta, a linda Maria Teresa Goulart. Linda e jeca. Por causa deste segundo atributo, nos primeiros dias da revolução de 64, queda do governo de seu marido e poder assumido pelos militares, Denner,consciente do gosto duvidoso de sua cliente, ficou preocupadíssimo com a roupa com a qual Maria Teresa partiria para o, já mais que certo, exílio; imaginou para a cena da partida,que exigia discreção e dignidade, um tailleur cinza grafite ou, no máximo, um xadrez " Príncipe de Gales"...
O mundo desabando e ele desesperado, tentando falar com o Palácio do Planalto para dar-lhe orientação sobre o figurino adequado para tão trágica situação; claro, debalde , não conseguiu. Já pensou, um general do exército, de extrema direita, escutando do outro lado da linha, o pobre coitado ponderando sobre a gravidade deste específico tipo de assunto?
Não teve jeito; Maria Teresa foi exilada de turquesa mesmo.


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terça-feira, 5 de outubro de 2010

Calatrava generico

Não houve como evitar: o trailer do filme baseado em Chico Xavier, " Nosso Lar " ( nosso, cara-pálida?) passou em tudo quanto é lugar .E aí , entre outras considerações, fiquei pensando: por que será que todo filme espiritualizado, passado no Além, tem arquitetuta de um Calatrava genérico? Sim, ele mesmo,o arquiteto espanhol ( do qual tem se falado muito por aqui nos trópicos pelo museu mar adentro que projetou para o Rio de Janeiro) que acabou se tornando causa e consequência de um estilo : tornou realidade aquelas construções que víamos há muitos anos atrás nos filmes sobre a vida no ano 2000 e ao mesmo tempo gerou um modelo para outro tipo de ficção: a vida após a morte. O que vi no curto trecho da história , mostra edifícios com estruturas leves, aerodinâmicas, pressupondo , da mesma forma que os pseudo- projetos exibidos,que faremos uma passagem para algo mais leve, mais claro, com uma uma luz difusa e , quem sabe? até mesmo flutuantes,caminharemos sobre as águas, como o faz o autor com suas verdadeiras obras. Tal sensação tem no figurino um forte colaborador; todo mundo de branco ,o que não é bom ,já que, pelo visto,revivemos com o corpo que morremos - a maior parte em idade avançada e, em geral , com barriga e pneuzinhos - e cor clara, como sabemos, neste caso não ajuda em nada ( mais um equívoco da direção- de arte- horizonte- perdido) . Deveríamos renascer, jovens, bonitos e, sobretudo, magros. Paraíso deveria ser a promessa cumprida, feita em campanha aqui na Terra pela religião, de que seremos eternamente felizes : poderemos comer e beber tudo sem engordar , usaremos aquelas roupas pretas, justas e na moda e, com o corpo em forma e chics , seduziremos todos que desejarmos. Quem ,depois de ralar a vida toda, trabalhar pra burro para ganhar o pão-nosso-de-cada-dia, fazer dieta e o diabo a quatro,quer ir para o Paraíso vestindo um camisolão tipo hospitalar? Nem pensar. Já que foi impossível em nossa rápida trajetória terrena, a gente quer usar Prada na eternidade.
Nossa plataforma,prezado mortal , é outra , e é aqui e agora: nada de falsas propostas , construções com jeito de estádio de Olimpíada , roupas desestruturadas feitas com aquele pano ralinho. Nós descrentes, queremos um verdadeiro criador para a coordenação geral do caos do dia-a-dia ; um idealizador capaz de uma postura contemporânea, simples,absolutamente despojada e, melhor, sem aqueles artifícios que nos insuflam o mal que, por ser o mais perigoso de todos, foi o último a ser tirado da caixa de Pandora: a Esperança.






Um Calatrava não falsificado





Pandora e sua caixa

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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Com Picasso na cozinha ( quem dá mais?)


Scliar me contou certa vez ,que foi visitar Pancetti em seu atelier e quando chegou lá , debaixo de chuva ,o mestre havia colocado três de seus auto-retratos à entrada da porta para que se limpasse neles a lama dos pés . Ele ,como um admirador que era , claro, as recolheu e ganhou-as de presente do seu amigo,provavelmente tocado por seu gesto de respeito em relaçāo ao seu trabalho. Uma destas telas está em sua casa,atual sede da Fundação Carlos Scliar,em Cabo Frio; as duas restantes ,ele as presenteou:uma a Gilberto Chateaubriand ( um dos destaques em sua vasta coleção) e a terceira foi dada a uma outra pessoa de seu relacionamento , cujo nome nāo me recordo. Sabedores da importância que têm hoje estas peças e de como foram salvas do lixo,ficamos conversando ,naquela ocasião, sobre quanto vale uma obra de arte em termos de mercado e como é, às vezes , relativo e circunstancial o fator que determina o seu preço.A intenção não era chegar a uma alguma conclusão sobre o assunto pois ,neste caso, teríamos ficado anos ali, filosofando e patinando no mesmo lugar.Ao invés de Arte, estávamos jogando conversa fora.
Este caso,vagamente análogo, me remete a uma outra história curiosa,onde as obras , de maneira bem diferente, estavam também longe dos sacrários dos museus ou dos pedestais das galerias comerciais ,um lugar onde havia ,despretensiosamente, espalhados por todas as salas e até mesmo na cozinha,diversos trabalhos de Picasso , presenteados pelo próprio artista ao dono da casa ,de quem era amigo e grande admirador: estávamos nos arredores de Madri, na casa de Luis Miguel Dominguín ,talvez o mais famoso toureiro de todos os tempos- falecido nos anos sessenta- e a atriz italiana Lucia Bosé (com quem se casou , logo após um caso tumultuado com Ava Gardner : o homem era mulherengo,todo mundo sabia disto),na qual havíamos sido convidados para almoçar. Comemos todos ali, no meio de pinturas, desenhos,cerâmicas ,todos com dedicatórias referentes às diversas ocasiões especiais da vida do casal : as duas filhas,o genro - responsável por uma apresentação especial do Grupo Corpo na Espanha-e o filho que é o ator e músico muito conhecido,Miguel Bosé. Eu,um pouco intimidado com toda aquela fama à mesa e nas paredes ,nem pude aproveitar direito esta rara oportunidade de conviver, assim, sem alarde nem efeito especiais, com obras que poderíamos estar admirando no Louvre, no Moma ou em reportagens sobre os apartamentos fartamente decorados dos milionários mais votados da revista Forbes.
Foi um ótimo almoço ( uma variação espanhola do nosso conhecido cozido português, com vários legumes e carnes misturados) com uma gente simples e simpática.Depois disto,até hoje,quando vejo um Picasso em uma exposiçāo com aqueles cordões vermelhos de proteção - absolutamente necessária,concordo- digo pra mim mesmo,zombeteiro: " Já almocei na cozinha com um destes ao lado e,por pouco, não deixei cair nele um pedaço de grão de bico ".





Retrato de Luis Miguel Dominguin
por Pablo Picasso

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domingo, 3 de outubro de 2010

Como se tornar imortal

Não,felizmente, não é nada sobre a Academia Brasileira de Letras. Para falar a verdade, acho que aqueles respeitáveis senhores nem devem gostar ,em sua maioria,deste tipo de literatura ,que tem, entretanto,um bando de seguidores ilustres : o romance policial. P. D. James, Lawrence Block,Dennis Lehane,Michael Connelly, John Dunning para citar apenas alguns de meus autores contemporâneos favoritos. E então, Patricia Cornwell criou uma patologista forense enfiada em investigaçoēs sobre a morte de suas " testemunhas silenciosas", que mudou o cenário destas novelas e que , a meu ver, gerou todos estas series tipo C.S.I. que passam atualmente na TV. Seu nome : Key Scarpetta. Tínhamos ate algum tempo atrás, um grupo de fans de carteirinha de seus livros e comentávamos as aventuras,sucessos e infortúnios de nossa heroína . Maria Cândida - estilista e uma das proprietárias da Maria Bonita- famosa grife de roupas femininas de requintadíssimo design- com quem tive o prazer de conviver,alguns poucos anos antes de sua morte prematura, era uma destas leitoras entusiasmadas da detetive amadora. Loura mas imagino que não muito, sutilmente bonita e bem vestida, Mrs. Scarpetta tinha tudo o que a gente gostava e ,eu pelo menos, queria ser : uma pessoa perspicaz,decidida a levar seus casos até as últimas consequēncias sem pensar muito em si mesma,independente , capaz de enfrentar todos os problemas com uma fibra inquebrantável,sempre dizendo a coisa certa no momento exato. Dois problemas no entanto atrapalhavam sua vida e aborreciam seus leitores: sua chatíssima sobrinha Lucy,técnica avançada em informática, que na vida fora da internet ,entretanto, só arrumava namoradas psicopatas assassinas , para desespero da tia que tinha uma trabalheira danada para consertar as situações em que ela se metia; o segundo era seu interessante namorado Benton Wesley,membro da inteligência do FBI, homem maduro,sofisticado como ela, capaz de conversar sobre serial killers e literatura com a mesma fluência e tranquilhidade, fosse na cena do crime( com chuva, faróis acesos, lama e membros decepados de uma anônima vítima espalhados por toda a área) fosse à beira da lareira,tomando um tinto italiano. Mas nao assumia o romance e sofríamos com os desencontros do casal que se amava loucamente mas não dava certo. Tudo ia muito bem no nosso mórbido intercâmbio literário, até que um dia Cândida comprou o novo livro de Patricia nos Estados Unidos - um por ano em geral- e me telefonou para contar que Benton havia morrido na nova história e , ainda por cima, de uma maneira horrível. Fiquei duplamente chocado com o acontecido ,pois além de ter sabido desta novidade desagradável ,assim, de repente, sem ter acesso aos detalhes que pudessem me consolar no livro que ainda não tinha ,achei que a minha companheira de leitura não tinha nada que me contar, antecipadamente- e ainda por cima por telefone - um fato que alteraria minha diversificada vida literária , criando um enorme buraco negro com a morte de um conhecido meu, cortado na última edição sem que eu tivesse sido ,sequer, consultado. Mas nada se deu como esperávamos: minha amiga se foi, vítima de um câncer e jamais soube que Benton ,pasmem!,ressurgiu alguns anos depois , vivinho, de cabeça raspada ,disfarçado e morando em um cidadezinha pequena do interior dos Estados Unidos. Lucy ficou milionária através de suas aptidões com computadores , comprou Ferraris,helicópteros e mansões que de nada adiantaram ; continuou insuportável e infeliz no amor. A patologista , quem sabe coerentemente com sua profissão,ficou visceralmente abalada pela perda de seu amado (que ela custou a descobrir que era uma mentira necessária à política de Segurança Nacional ) e passou a se comportar como uma nova rica, descrevendo a marca do que comia e bebia ( como vários restaurantes supostamente " finos" que especificam em seus cardápios, entre parenteses, que tal e tal produto sāo "importados" como atestado de sua qualidade e justificativa para seus preços),preocupada com a sua Mercedes especial de estofamento de couro preto, imersa em tapetes macios e cortinas de tafetá, uma vulgaridade até então insupeitada.A narrativa perdeu o rumo e os crimes de suas histórias adquiriram uma crueldade impossível de se ler, um sadismo lastimável e gratuito, descrito nos mínimos detalhes.
Talvez ,como se exigia nos filmes e peças de teatro nos anos sessenta e setenta ,eu não tenha "captado a mensagem" de suas histórias atuais: o mundo caiu em uma vala comum de indelicadezas,grosserias,descaso, violência exibicionista e a ignorância foi elevada à uma condição exótica interessante.
Dizem que Benton Wesley veio para o Brasil, e tem um restaurante a quilo em Guarapari; outros falam que é vigia noturno de uma delegacia na baixada fluminense. Pelo que nos fez sofrer e nos enganou, eu queria que estivesse mesmo é trabalhando de contínuo no gabinete da Casa Civil da Presidencia onde, quem sabe , poderá exercer, nas circunstâncias atuais , o que lhe resta de seus dons investigativos.
Maria Cândida, por sua vez, ficou livre desta bandalheira que assola o planeta e está viva por aí afora: toda vez que aparece uma mulher elegante, no sentido melhor e mais amplo da palavra, a gente se lembra dela.




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sábado, 2 de outubro de 2010

Me and Mr.Walker

Toda vez que perguntavam ao Fantasma se ele era imortal, ele respondia daquela maneira insuportável- como o fazem Pelé e outros tantos ilustres idiotas- referindo-se a si próprio ,esquizóide, na terceira pessoa do singular: " O Fantasma é." Na verdade, nós leitores,bem como seu fiel cachorro Capeto ( que se expressava através de arfs,arfs... e que eram traduzidos em palavras em um balāozinho desenhado acima de sua cabeça) sabíamos que não era bem assim: a tradição do Fantasma era,sim, mantida de pai para filho há mais de quatrocentos anos , sem nenhuma interferência do Além no assunto. Meio esquisitão ele,pensando bem agora com um certo distanciamento crítico: à noite , se transformava em Mr. Walker e caminhava a esmo pelo cais do porto, a bordo de uma gabardine fechada por um cinto amarrado com um nó ( tinha cintura fina) ;se havia aí qualquer coincidência com a marca de whisky, é um assunto que nunca foi esclarecido pela revista pois,pelo menos teoricamente,ele não bebia.E não se casava tampouco.Tinha uma pobre coitada de uma moça, Diana, que esperou,literalmente,séculos por ele e,nada! Talvez por ser esta tão instigante criatura que não bebia,nāo transava e,aparentemente, nāo morria também , foi morar no meio da floresta, dentro de uma caverna em forma de caveira , que ele dividia,se nāo me engano, com um pigmeu gordinho (que usava um chapéu de palha tipo chinês-em-plantação-de-arroz , que lhe conferia um charme todo especial pois combinava com a sainha,também de palha) lider de uma comunidade alternativa de afro-descendentes não longelíneos, para colocar a coisa toda corretamente.Aparentemente ,são felizes, se não para sempre,pelo menos até agora, quatro século depois , o que , convenhamos ,é uma façanha e tanto , digna do Uganda Book of Records ( na floresta não é permitida a publicação de impressos de países com mentalidade colonialista).Uma dupla desigual, porém muito simpática.
Minha história se cruza com do Fantasma em vários aspectos: além de fan , de morar dentro de uma pequena matinha, de me considerar atualmente meio recluso e esquisito, tenho na familia uma profissão que passa de pai para filho já há bastante tempo: psiquiatra. Nossas semelhanças,no entanto, terminam aí : ao contrário dele, não dei continuidade a esta bela missão de ajudar cabeças alheias; provavelmente, vítima de uma praga , rogada por algum cliente enraivecido tipo " Um dia vocês vão ter um na família",eu sou, ou melhor, " Fernando é ", meu herói que me perdoe, o que se pode chamar de- sem precisar de nenhuma legenda explicativa nem companheiro de caverna - a vingança da clientela.





O Fantasma, Capeto e o cavalo Herói

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Minha avo, Cleopatra Selene

Tinha um rapaz no nosso grupo que flutuou no Mar Morto, tal qual haviam dito que aconteceria, por causa da alta densidade do sal na agua. Esqueceu-se porem de seu grave problema com hemorroidas e , de repente, estava ele la sentado na agua, como um milagre biblico, mas com as lagrimas correndo bochechas abaixo de tanta dor que sentia. Isto aconteceu em seguida a uma visita a Massada, a famosa cidade sitiada pelos romanos ,no alto de uma montanha no meio de um deserto em Israel, onde se chega atraves de um bondinho teleferico que faz voce rezar por todos os que morreram tragicamente neste lugar , e chegar la em cima vivo.Foi ai que, anda pra la,anda pra ca ,uma temperatura de mais de 50 graus, eu descobri,exatamente nas ruinas do ,assim chamado ,Palacio de Verao de Herodes, o quanto eu havia sido enganado todos estes anos.Por Hollywood. Queiram ou nao,estamos acostumados com aquelas proporcoes cenograficas espetaculares de residencias reais que vimos a vida inteira no cinema.Pois nao e que o tal spa de Herodes era pouco coisa maior que um 3 quartos, destes bem pequenininhos,onde mal cabe a cama, como se faz hoje em dia? Claro que poderia ter lido,visto fotos a respeito destas construcoes ou ate mesmo ter descoberto esta farsa em Roma, que e bem mais perto e bem mais fresco, mas la, ter percebido isto em pleno territorio onde se deram cenas do Velho e Novo Testamento, e diferente e, nao e nada,nao e nada ,percepcao ampliada tambem pelo delirante efeito do calor. Pra pior dos pecados ,eu vi o filme, "Massada" com Peter O'Toole fazendo o general romano que provoca, em um gesto de resistencia heroica, o suicidio de todos os moradores locais. Sabe que ainda tem umas duas ou tres catapultas ( adoro esta palavra!) la em baixo do morro? Nao sei se sao as originais ou,se numa pechincha,pediram ao pessoal da filmagem para fazer um precinho bom e, ja que nao iam precisar mais delas ( o que fazer com uma catapulta fora do contexto historico? Onde guarda-la?"Menino,venha logo pegar esta catapulta que voce deixou espalhada aqui na sala!"), que as deixassem por la. Desci no bondinho e ,apesar do pavor naquela altura toda,fiquei revendo as ideias que tinha sobre os personagens historicos que eu aprendi a cultuar, principalmente nos filmes B , de baixo orcamento. E Cleopatra entao? A super producao com Elizabeth Taylor e tudo? Sabia que na verdade ela, a grande Cleopatra VII, setima rainha com este nome , tinha uma avo com o expressivo nome de Cleopatra Selene ? E que, mais grave ainda, que talvez a bunda que aparece no filme quando a rainha esta recebendo uma massagem de barriga para baixo -e que fez a censura mudar de catorze para dezoito anos! - nao era de Mrs Taylor mas de uma double? Mas isto ja e outra Historia.

Massada, o spa de Herodes e a enganacao cinematografica
















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sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Maciste: nos poroes da Gloria

A formula era simples mas ,para mim, infalivel: pegava-se o Mister America da epoca ,com uns nomes assim significativos como Rex Reed , bezuntado devidamente em todas as partes do corpo a fim de ter seus musculos realcados, muito papelao com po de pedra para fazer uma caverna e da-lhe gelo seco para fazer nevoa. Desta precaria porem magica combinacao surgia ele, meu heroi das chamadas pre-estreias de domingo (no caso de seus filmes ,sempre no cine Brasil,que por ser um cinema grande, decadente e no centrao da cidade, era mais baixaria ainda e,portanto,melhor): Maciste,meu grande idolo de todos os tempos! Apesar de existir desde o tempo do cinema mudo,felizmente nossa convivencia se deu no final dos anos 50 e durou ,acho, ate meados dos anos 60, ja no ocaso de sua reluzente trajetoria.
Precursor,revolucionario, Maciste nao teve ainda,para minha tristeza, sua importancia historica reconhecida. Quem ,se nao ele, muito antes de todas aquelas americanas chatas e falantes ,lancou o movimento feminista? Nas suas historias ,as mulheres eram sempre governantes ditatoriais que, talvez por serem ninfomaniacas insatisfeitas,nao sei, colocavam infalivelmente os homens ( de tapa-sexo de pele de bicho e,claro, bezuntados tambem) empurrando, todos juntos , uma imensa roda de madeira ,debaixo de chicotadas e gritos ferozes por parte das chefes-em-comando,sem finalidade alguma; era simplesmente uma condenacao eterna, um castigo que eles mereciam por terem oprimido ,desde que o mundo e mundo, o sexo oposto.So isto, a meu ver, ja bastaria para coloca-lo ao lado dos grandes lideres da Historia.Mas ele ia alem: salvava as pobres criaturas aprisionadas e, grande estadista,promovia a conciliacao entre os generos.
Entretanto, a grande contribuicao de Maciste para as questoes contemporaneas que nos afligem , foi sua fantastica capacidade premonitoria sobre a camada de ozonio. Um genio. Em suas aventuras, o castigo para aquelas mocas moradoras das tais cavernas - tudo se passava nos subterraneos, uma especie de arquitetura de Oscar Niemeyer da Antiguidade- que se recusavam a ser pacificadas, era a exposicao a luz do sol. Batata! Todas iam secando, se enrugando horrivelmente e para nosso espanto,siderados nas cadeiras do cinema, viravam po! Nunca ate entao, o prejuizo causado pelos raios solares sobre a pele humana havia sido discutido; meu heroi deveria ter seu nome e retrato estampado em todas as embalagens de protetor solar : no lugar daquela menininha aborrecida com cara de sucrilhos, cujo cachorrinho puxa a calcinha para fazer propaganda do Copertone, por que nao Maciste com sua tanga selvagem? Talvez por possuir a modestia dos super herois ou a resignacao dos que sabem seus limites -teve varias de suas facanhas filmadas e hoje registradas no Google ou Wikipedia - a gloria eterna, o fugidio passaro dourado da consagracao,ele nao alcancou. Sua imagem nos registros mitologicos permanece no subsolo 3SS , ou seja, aquele local que , como os congressistas de Brasilia, voce,desce,desce e encontra um lugar iluminado por luzes fluorescentes, tapetes felpudos e um bando de gente com cara de perdedor.




Maciste,fotografado por Robert Mapplethorpe

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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O elevador do Dr No

Ja andei de metro por controle remoto, sem motorista, em Lyon ( um barato, na frente toda em vidro do primeiro carro e melhor que trem-fantasma de parque de diversao) e ja cruzei o Canal da Mancha debaixo d'agua ,tambem em um trem . Este ultimo,uma chatice, so paredes de concreto dos dois lados, nada a ver com o submarino de Jules Verne ou o escritorio do satanico Dr No, cujo vidro custou bem mais barato que o tunel Londres/Paris - " one million dollars", ele se gaba no filme- e deixa a gente ficar vendo aqueles peixes enormes nadando pra la e pra ca, enquanto ele alisa aquele gato branco peludo. Tudo bem ate ai. Hoje ,entretanto, experimentei um novo artefato de tecnologia avancada que me assustou; apesar de ter visto sua instalacao durante a obra de um sofisticado edificio para o qual fiz um painel no hall, so agora fui experimentar o tal elevador programado. Talvez todo mundo ja conheca- eu, como tenho circulado muito pouco, nao tinha passeado nele ainda - mas de qualquer maneira, o que existe e uma prancha , como aquelas usadas em restaurantes finos onde o individuo fica la plantado conferindo as reservas, so que , como tudo que e contemporaneo, sem viv'alma atras. Voce chega perto, ainda do lado de fora, aperta , ou melhor, digita o andar e a tal tabela lhe indica qual elevador - sao varios- esta disponivel para voce. Quando voce adentra o dito cujo,ai sim, parece ficcao cientifica do tipo que eu gosto : enclausurados no mais fino acabamento em aco inox, sem nenhuma opcao ou botao de comando ,temos a sensacao que vamos ,impreterivel e inexoravelmente descer ate o calabouco- calabouco,nao, e muito Idade Media- melhor dizendo,ate o nivel inferior , e ser jogados naquele pequeno lago de piranhas ,onde os excluidos do " who's who" dos viloes deste tipo de filme sao devorados para horror da plateia que fica vendo o pobre coitado se transformar em um monte de borbolhas cor-de-rosa-misturada-com -agua.Ate me esqueci que estava indo para uma reuniao na diretoria e, olhando distraido para uma tela com imagens coloridas que havia proxima a porta, me espantei quando,ao contrario do que esperava, na verdade,subi. Embuido que estava de um espirito aventuresco ( uma bad trip que misturava James Bond com Indiana Jones ; como e que ninguem nunca pensou nisto? Um " Samba do crioulo doido" do Sergio Porto em formato pulp fiction? Nao, Tarantino, nao chegou a tanto...) ja fiquei imaginando que minha sina era outra : seria levado ate o topo ( topo e o tipo da palavra que combina bem aqui neste tipo de historia) do edificio e de la , viajaria em um agil helicoptero negro com guardas armados , ate alto mar, onde seria jogado - e sempre assim!- para ser deglutido por tubaroes. Mas afinal por que tanta culpa,tantos castigos aquaticos infringidos por maquinas contemporaneas ferozes e peixes variados- agua doce e salgada- famintos? Se fosse filme de Woody Allen seria culpa judaico- crista misturada com trauma de aquario no quarto quando crianca . Mas nao e. Alias ,nao e nada mesmo, e um encontro com algumas pessoas da construtora e so. A porta de meu contemporaneo carcere ( seculo XIV ou XV outra vez) se abriu e o pior aconteceu : ao inves de serpentes se enroscando em um fosso , piranhas famelicas saltitantes no ar, flechas com pontas infectadas de um veneno mortal, havia uma serie de portas de blindex ,impressas com a logomarca da empresa, um sofa cujo design exiguo pressupunha uma espera breve e desconfortavel , e uma recepcionista, que nem loura fatal com adaga na liga era.
Nao sei por que saio de casa ; toda vez e a maior decepcao.





Dr No, com os peixes ao fundo

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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Uma cidade sem lei

A ultima vez que estive em Juiz de Fora,ja ha alguns anos, senti uma coisa esquisita: havia uma ou duas ruas centrais muito movimentadas,( com tudo que uma grande metropole tem direito: engarrafamento, onibus e caminhoes soltando muita fumaca, barulho de buzina , anuncios acumulados nas fachadas...) mas, se olhassemos por uma greta entre as construcoes , como eu fiz, havia la atras daquilo tudo uma paisagem bucolica ,com vacas pastando.Como eu relaciono tudo em minha vida com o cinema ( desde menino,portanto bem antes do " Beijo da Mulher Aranha") associei aquilo a um cenario de Hollywood com aquelas casas de faroeste que so tem fachada e que ,"nonada", escoradas por tras , serviam de fundo para aqueles justiceiros e redentores duelos ao entardecer. Ja pensou no titulo do filme:"O homem que matou o fascinora na Manchester mineira"? Ou, um paradoxo,"Juiz de Fora, a cidade sem lei?"
Existe ou existiu , sim,uma rixa entre Belo Horizonte e esta cidade que,todo mundo sabia, se achava mais carioca que mineira. Fazia parte das intrigas tambem o fato de ,dizia-se, eles acharem que tinham mais condicao de ser a capital do Estado de Minas Gerais.Toda oportunidade que havia a gente fazia uma brincadeira; Humberto Werneck, o brilhante escritor e jornalista, tem em seu curriculo ( feito nao por ele mas por seus admiradores desde o Colegio Estadual Central) um caso que eu adoro e torco para que tenha, reamente ,acontecido: a caminho do Rio, partindo de BH, parou na esquina mais movimentada da internacionalmente famosa rua Halfeld e , vendo um grupo de pessoas conversando, pos a cabeca para fora do carro e perguntou: " Pssssst, como e que se chama mesmo este lugarzinho aqui?" Se o motor do carro nao tivesse sido mantido ligado ele, certamente, teria sido linchado.O fato e que nunca houve mesmo nenhum tipo de verdadeira conexao entre as duas cidades, muito menos, que eu saiba, na area cultural, minha seara. Tenho grandes amigos nascidos la e a todos digo com ar de ( falsa) exclusividade: " voce e a melhor , ou talvez ,a unica coisa boa produzida por Juiz de Fora".Uma destas pessoas,Thais,me contou ,ha anos atras ,uma historia muito engracada, que serve como metafora perfeita para nossa constante perplexidade existencial.
La vai. Havia um sujeito muito rico na cidade mas que era analfabeto. Seu nome: Neco Venancio.Pois bem. Estava la ele no banco , em pe junto ao balcao, colocando em um cheque - atividade para a qual havia se treinado, cuidadosa e repetidamente - sua assinatura. No meio do "bordado", letra por letra, passa um conhecido, lhe da um tapinha no ombro e diz: " Oi, Neco, tudo bem ?" Logo apos responder ao cumprimento , pobre criatura perdida, olhou para o papel em que vinha com tanto trabalho escrevendo, e disse para si mesmo: "Ai meu Deus, agora nao sei se estou no Neco ou no Venancio"...Tem coisa melhor para definir nossa situacao?




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