Uma vez em São Paulo, lá pelas tantas da madrugada, saindo de um jantar em casa de um amigo em comum, fui colocado em um carro com seguranças atrás do carro principal, onde se encontrava este tipo de vítima em potencial. Como me sentei na frente, puxei conversa com o motorista- moço simpático, lá pelos seus trinta, trinta e poucos anos- como sempre faço quando estou num táxi ou no carro de alguém desconhecido. Conversa vai, conversa vem e ele foi me contando sobre o seu emprego e o treinamento a que tinha sido submetido durante anos na Legião Estrangeira ,em Marselha, a fim de ocupar este cargo de tamanha responsabilidade. O nome desta, digamos, agremiação, me soou familiar mas - completo idiota- continuei encantado com a narrativa pedindo cada vez mais detalhes : murros , pancadaria e violência de todo tipo , alguns países africanos invadidos , nada me fazia desconfiar que havia alguma coisa terrivelmente errada ( seria alguma coisa na bebida?Falência completa dos neurônios?) Tanto perguntei e tanto ele se entusiasmou que acabou me explicando com detalhes a sua principal arma contra o Mal que tocaiava seus ricos empregadores: uma técnica de vigilância aprimorada, através da qual era capaz de olhar para todos os lados ao mesmo tempo, inclusive para cima (o homem era um verdadeiro periscópio). Por causa desta falação toda o pior desastre aconteceu: nos perdemos do carro à frente e dentro dele o patrão pelo qual ele, coitado, havia sofrido todos estes anos. O cara entrou em completo desespero e até hoje não sei como não me liquidou ali mesmo com suas próprias mãos assassinas. Chegamos finalmente ao hotel vários minutos depois da comitiva principal, tempo suficiente para ter acontecido mais ou menos uns onze ou doze tranquilhos sequestros .Meu amigo que estava comigo e ficou calado durante todo o trajeto, quando descemos do carro me falou indignado: " Pô, qual é a sua? O cara é mercenário e você dando papo, cumprimentando ele pelo sucesso na profissão? Você enlouqueceu"? Juro por tudo quanto é sagrado, foi só aí que a ficha caiu: eu confundi sua dramática e heróica história com uma série que eu assistia na TV, ainda menino,sobre uma fictícia divisão do exército britânico a serviço de Sua Majestade, na Índia( exceto em ocasiões especiais, igualmente vestidos em um uniforme caqui,quepe e um lenço na parte de trás da cabeça). Feliz da vida, o tempo todo acreditei estar conversando com um legítimo herdeiro dos inesquecíveis "Lanceiros de Bengala".
PS- se tivesse contado este caso à minha avó Anita ela ,certamente, teria perguntado aqui neste final : " Mas e o rapaz, perdeu o emprego"?

Os Lanceiros em seu uniforme de gala, pouco adequado para um segurança em São Paulo.
www.fernandovelloso.com.br
Location:Vila del Rey